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A Complexidade dos Cuidados de Enfermagem na Comunidade

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Revista Sinais Vitais

O processo de enfermagem é um elemento fundamental que orienta a prática dos cuidados de enfermagem ao cliente/família, de forma a assisti-lo no desempenho de actividades que contribuam para promover, proteger e recuperar a saúde.

Sinais Vitais nº 51

Carmen Gaudêncio

   (Enfermeira – Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa)

Matilde Santos

   (Enfermeira – ARS de Lisboa e Vale do Tejo)

Graça Moraes Rocha

   (Enfermeira Docente – Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa)

PALAVRAS-CHAVE : Comunidade; Cliente/Família; Ensino; Processo de Enfermagem

RESUMO

O processo de enfermagem é um elemento fundamental que orienta a prática dos cuidados de enfermagem ao cliente/família, de forma a assisti-lo no desempenho de actividades que contribuam para promover, proteger e recuperar a saúde. Neste contexto, apresentamos um processo de enfermagem de uma família cuidada em experiência clínica, com o objectivo de melhor compreender a importância do enfermeiro de família.

NOTA PRÉVIA

” A didáctica dos cuidados de enfermagem tem um papel fundamental no processo de formação pelo que os estudantes necessitam de orientadores que estejam comprometidos com o Cuidar, onde os papeis que lhe estão inerentes são os de inspirar nos estudantes de enfermagem uma atitude cuidativa e o prazer de aprender.” (Rosa Carvalhal, p.XI, 2002)

Este trabalho surge no contexto do Ano Complementar de Formação em Enfermagem, na fase de prática correspondente ao Ensino Clínico, realizado no ano de 2002.

Integrada numa Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC)  de um Centro de Saúde da área de Lisboa, realizei um trabalho na comunidade, desenvolvido em parceria com a enfermeira docente da Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa e enfermeira orientadora do Centro de Saúde.

Acreditando que os saberes e competências desenvolvidos são fundamentais numa formação ao longo da vida, pretende-se com o presente artigo transmitir a envolvente complexa dos cuidados na comunidade.

INTRODUÇÃO

A prática dos cuidados no âmbito da saúde comunitária pretende convergir para o caminhar de um profissional que é capaz de justificar as suas decisões e assumir responsabilidades, graças aos seus conhecimentos e competências humanas.

Sendo  o enfermeiro de família aquele que tem como responsabilidade cuidar de um grupo de famílias, devendo trabalhar em conjunto com estas para manter e/ou melhorar o equilíbrio a nível de saúde, ajudando-as a encontrar estratégias para lidar com agentes stressores. Consideramos que a proximidade e continuidade de cuidados com o mesmo profissional uma mais valia, para o caminhar do cliente no sentido da sua autonomia e responsabilização pelo seu estado de saúde.

Ao realizar um Processo de Enfermagem é necessário mobilizar adequadamente recursos, não só do próprio meio familiar como também da comunidade, a fim de que a família se encontre motivada para a autonomia, no sentido de promover a vida com o máximo de qualidade.

PROCESSO DE ENFERMAGEM DA SRA A

A Sra A nasceu em 1982, e foi admitida numa UCC  da área de Lisboa em Maio de 2000. Tem como diagnóstico clínico Distrofia Muscular Progressiva.

A Sra A vive numa casa com quatro assoalhadas, de divisões espaçosas. A habitação é o primeiro piso de um prédio de três andares sem elevador do tipo locação própria, localiza-se em zona salubre, tem electricidade, água de distribuição domiciliária e saneamento básico de rede pública.

A Sra A apresenta traqueostomia (desde Maio de 2000) que auto-cuida, necessitando apenas de supervisão períodica. Necessita de aspiração de secreções frequente pelo que tem aspirador em casa e é independente nesta actividade.

Necessita também de realizar oxigenoterapia, pelo que tem no domicílio uma bala de oxigénio e realiza actualmente oxigenoterapia contínua a 2l/m.

Durante a noite depende de ventilação mecânica  de pressão positiva que realiza segundo os parâmetros ventilatórios definidos pelo médico.

Tem défices de aporte hídrico.

Controla os esfíncteres vesical e intestinal, todavia necessita de ajuda para se deslocar ao wc e satisfazer esta necessidade.

Verifica-se agravamento da distrofia muscular, pelo que a Sra A actualmente apenas mobiliza os antebraços e mãos, necessitando de apoio para manter a postura corporal correcta. Desloca-se em cadeira de rodas eléctrica.

Refere não conseguir dormir e repousar durante a noite, pelo que toma medicação que muitas vezes não surte efeito dada a sua grande ansiedade e medo relativamente à noite (SiC.).

Apresenta períodicamente febre que tenta resolver ao automedicar-se com antipiréticos e antibióticos. A febre deve-se às infecções respiratórias frequentes implicando sucessivos internamentos.

Relativamente à higiene pessoal, é a família que a realiza, sendo a Sra A  totalmente dependente nesta actividade.

A Sra A não tem qualquer actividade lúdica manifestando desinteresse em realizá-las, pelo que se apresenta aparentemente depressiva referindo em todas as visitas que tem medo e que pensa muito na sua situação de dependência e na solidão.

O facto de agir segundo as suas crenças, nomeadamente a nível socio-cultural dificulta muitas vezes a aceitação de ensinos. Assim como o analfabetismo quer da Sra A quer da família é um factor que acresce a dificuldade na apreensão dos ensinos.

Em Junho de 2002 a Sra A foi novamente internada, segundo a família para ajuste e adaptação aos parâmetros ventilatórios e também por pneumonia e anemia.

Em Julho de 2002 a Sra A tem alta clínica, traz carta de articulação de cuidados de enfermagem e bibliografia referente ao novo ventilador que a acompanha.

Todo o planeamento dos cuidados termina neste trabalho a 12/07/02, todavia este é um trabalho que irá ser continuado pela enfermeira de família da Sra A.

De acordo com a avaliação realizada, desenvolveu-se um plano de cuidados, com o intuito de deixar um fundamento para uma continuidade de cuidados, individualizados e  humanizados.

Os símbolos * e ** significam respectivamente, data da identificação do problema e data das avaliações.

REFLEXÃO FINAL

Ao reflectir sobre o trabalho desenvolvido no Ensino Clínico, apercebo-me que superei as expectativas iniciais.

O facto de entrar no espaço da família a priori conquistado pelo enfermeiro de família não foi tarefa fácil, mas com disponibilidade e dedicação, consegui e a recompensa que adquiri ao fazê-lo, foi sem dúvida impressionante.

As familias embora carênciadas a todos os níveis, abriram portas ao desenvolver de uma relação terapêutica, reconhecendo o meu desempenho.

O trabalho em campo foi bastante produtivo, uma vez que acompanhei clientes desde a admissão até à alta, articulei cuidados com outros profissionais, desenvolvendo deste modo o trabalho em equipa pluridisciplinar.

Nesta perspectiva o desafio que se coloca aos enfermeiros impõe que estes sejam capazes de dar visibilidade à sua actuação, que saibam definir claramente os seus papeis para que se sintam e sejam reconhecidos como elementos autónomos nas equipas que integram.

Em suma, todas estas oportunidades foram motivadoras do meu trabalho, estimulando o gosto que tive em realizar este Ensino Clínico e enriquecendo todo o meu desenvolvimento académico.

Ao realizar este processo de enfermagem tive a oportunidade de rever e mobilizar conhecimentos teóricos para a prática, tentando realizar um cuidado rigoroso e personalizado, o que foi importante para a continuidade dos cuidados na minha ausência de forma adaptada e humanizada.

  “(…) O desafio que é, assim, lançado aos formadores não é o de esculpir cérebros bem moldados mas o de contribuir para a plasticidade destes cérebros, para a sua permeabilidade, a fim de lhes permitir uma abertura constante às “coisas da vida”, à singularidade dos outros.” (Walter Hesbeen, p.67, 2001).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • CARVALHAL, Rosa – Parcerias na Formação. Papel dos Orientadores Clínicos Perspectivas dos Actores, Loures: Lusociência, 186pp. ISBN:972-8383-40-1
  • GRONDIN, Louise, et al – Planificação dos Cuidados de Enfermagem, Lisboa: Instituto Piaget, 345pp. ISBN: 972-9295-18-2
  • HESBEEN, Walter – QUALIDADE EM ENFERMAGEM – Pensamento e acção na perspectiva do cuidar, Loures: Lusociência, 2001, 220 pp. ISBN 972-8383-20-7.
  • PAULINO, Cristina, et al – Técnicas e Procedimentos em Enfermagem – Coimbra: FORMASAU, Formação e Saúde Lda, 1998, 291pp. ISBN: 972-8485-00-X
  • SINAIS VITAIS – “Ventilação Não Invasiva” – Nº42, Maio de 2002, pp.66