O nascimento prematuro é algo que ainda não conseguimos controlar. Assim cabe-nos a tarefa de diminuir a ocorrência de complicações, associadas à imaturidade da pele.
Nursing nº 237
Os cuidados prestados nas unidades intensivas neonatais, são muitas vezes responsáveis por alterações significativas na pele. É neste contexto, e como principais prestadores de cuidados ao recém-nascido, que os enfermeiros assumem um papel primordial.
Ana Isabel Leite
Enfermeira Graduada
Vera Mendes
Enfermeira Nível 1
Resumo
O nascimento prematuro, ou seja antes das 37 semanas de gestação tem-se tornado uma realidade cada vez mais comum nas sociedades ditas modernas e industrializadas. Isto significa que as unidades neonatais, bem como os profissionais que nelas trabalham têm que estar aptos a cuidar destes bebés.
Face a esta realidade e tendo em conta a imaturidade dos sistemas do recém-nascido prematuro, emerge a necessidade de uma planificação de cuidados adequada e individualizada.
Neste artigo procuraremos abordar a pele e suas características consoante a idade gestacional, bem como tentaremos transcrever o processo mental de enfermagem desenvolvido quando nos deparamos com uma pele imatura.
Palavras-chave: Planeamento de cuidados; Cuidar; Pele; Estrato córneo; Recém-nascido pré-termo; Intervenções de enfermagem; Banho; Produtos a utilizar.
Introdução
Os recém-nascidos prematuros têm vindo a aumentar em número e consequentemente em internamentos nas unidades de cuidados intensivos neonatais. Estes recém-nascidos pela sua fragilidade e imaturidade ao nível dos vários sistemas, exigem dos profissionais de saúde, um planeamento de cuidados rigoroso, com vista a não comprometer o seu desenvolvimento.
Este trabalho procura por um lado, abordar as características da pele do prematuro, e realizar uma reflexão sobre as consequências da sua imaturidade. Por outro, apontar os aspectos de saúde relevantes para a prática de enfermagem, e intervenções de enfermagem decorrentes dos diagnósticos identificados.
A pele do recém-nascido pré-termo
A pele é composta por 3 camadas: epiderme, derme e tecido sub-cutâneo. A epiderme é a camada mais externa de células epiteliais estratificadas, composta essencialmente por queratinócitos. A epiderme é constituída por 4 camadas distintas sendo elas: o estrato córneo, estrato lúcido, estrato granuloso e estrato germinativo. A derme constitui a maior parcela da pele, proporcionando-lhe estrutura. É constituída por 2 camadas, a papilar e a reticular, e por vasos sanguíneos, linfáticos, nervos, glândulas sudoríparas e sebáceas, e pelas raízes dos pelos. O tecido sub-cutâneo é a camada mais interna da pele; é um tecido essencialmente adiposo que promove a mobilidade da pele, delimita os contornos do corpo e isola-o (Bruner & Sudarth, 2002).
A pele actua como intermediário entre o organismo e o meio ambiente, e oferece funções específicas, como barreira contra a invasão microbiana e à absorção de agentes tópicos, controle hídrico e regulação da temperatura. Tendo em consideração a importância deste tegumento, a protecção e a preservação da pele dos recém-nascidos são decisivas para a sua boa evolução (Taeusch et al., 2005).
Ao analisar os dois principais constituintes da pele, derme e epiderme, constata-se que o conhecimento das fases de desenvolvimento e maturação deste tecido assumem importância “major” nas decisões dos profissionais de saúde, sobre as intervenções a prescrever. Estas intervenções podem tornar-se críticas no caso do recém-nascido pré-termo.
De facto durante a vida intra-uterina a pele diferencia-se de modo próprio: a epiderme, camada mais externa, inicia a sua diferenciação às 6 semanas de gravidez e prolonga-se até próximo do final da idade gestacional. Às 22 – 24 semanas começa a diferenciação dos queratinócitos em estracto córneo. Às 28 semanas o estracto córneo consiste em duas a três camadas de células, e às 32 semanas existem mais de 15 camadas de corneócitos, o equivalente à pele do adulto. A derme, camada directamente abaixo da epiderme, é composta por tecido conjuntivo denso de disposição irregular. Do 3º ao 5º mês de gestação, a quantidade e o tamanho das proteínas de matriz da derme aumentam. A derme continua a sua maturação até aproximadamente aos 6 meses após o nascimento (Taeusch et al., 2005). Assim, a diferença de maior importância entre a pele dos recém-nascidos de termo e os recém-nascidos pré-termo, encontra-se na constituição do estracto córneo, que tem como principais funções a conservação da água corporal e barreira de protecção (Consensos Nacionais em Neonatologia, 2004). Verifica-se que não há considerável diferença na absorção cutânea dos recém-nascidos de termo e do adulto. Já nos recém-nascidos pré-termo, principalmente antes das 32 semanas de gestação, a pele é imatura e incapaz de exercer as suas funções.
Os cuidados prestados nas unidades intensivas neonatais, são muitas vezes responsáveis por alterações significativas na pele. É neste contexto, e como principais prestadores de cuidados ao recém-nascido, que os enfermeiros assumem um papel primordial. Torna-se um desafio, manter a integridade da pele e minimizar as complicações decorrentes de possíveis lesões.
A pele dos recém-nascidos apresenta diferenças significativas, dependendo da idade gestacional (Quadro1.)
24 a 28 semanas | 28 a 32semanas | 32 a 36 semanas | 32 a 36 semanas | |
Textura da pele | Muito fina e gelatinosa | Fina e lisa | Lisa ou de espessura média Com descamação superficial. | Espessamento ligeiro, descamação das mãos e pés |
Cor da pele | Vermelha escura | Uniformemente rosada | Rosa pálido | Pálida. Rosada apenas nas mãos, pés, orelhas e lábios |
Opacidade da pele | Visíveis numerosas veias e vênulas | Veias visíveis | Alguns grandes vasos visíveis no abdómen | Poucas veias visiveis |
Lanugo | Sem lanugo | Lanugo abundante cobrindo todo o dorso | Lanugo fino | Pouco lanugo |
Pregas plantares | Sem pregas cutâneas | Marcas vermelhas pouco nítidas na parte anterior da planta do pé | Marcas vermelhas definidas, sulcos em menos do que um terço | Sulcos em mais do que um terço |
Quadro 1. Características da Pele/ Idade gestacional ao Nascimento ( Adaptado da Escala de Dubowitz )
Diagnósticos e intervenções de enfermagem
Foi considerado como foco de atenção para a prática da enfermagem o Tegumento, que segundo a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), versão beta 2, é definido como: “É um tipo de função com as características específicas: revestimento da superfície corporal (pele, epiderme, mucosas, tecido conjuntivo e derme, incluindo glândulas sudoríparas, sebáceas e cabelo e unhas), tendo como funções: a manutenção da temperatura corporal, a protecção dos tecidos subjacentes da abrasão física, a invasão bacteriana, a desidratação e a radiação ultravioleta; o arrefecimento do corpo quando a temperatura sobe; a detecção, através dos órgãos sensoriais, de estímulos relacionados com a temperatura, tacto, pressão e dor; a eliminação, pela perspiração de água, sais e compostos orgânicos através dos órgãos excretores; a secreção do suor e do sebo; a síntese da vitamina D e a activação dos componentes do sistema imunitário.” (CIPE, versão Beta 2, 2003: 27).
Dados relevantes para o PROCESSO diagnóstico:
– Idade gestacional inferior a 32 semanas;
– Características da pele do recém-nascido (quadro 1);
– Integridade da pele;
– Necessidade de execução de procedimentos invasivos (cateterismos, entubações).
Diagnóstico de enfermagem:
– Risco de Tegumento comprometido;
– Tegumento comprometido.
Objectivos dos cuidados:
– Manter a integridade da pele;
– Adequar os cuidados à idade gestacional do recém-nascido;
– Minimizar as consequências nocivas de determinadas intervenções de enfermagem;
– Melhorar as condições da pele;
– Promover o restabelecimento da integridade da pele.
Intervenções de Enfermagem: (Ver quadro 2)
Intervenções de Enfermagem: | Justificação |
| O vérnix é uma substância que tem função de protecção contra o trauma, hipotermia, desidratação e infecção. Está estritamente ligado à epiderme e a sua principal função é de barreira mecânica. Desaparece espontaneamente após 2 ou 3 dias pelo que não deve ser removido (Nelson, 2000). Na prática e em determinadas situações verificamos que algum deste vérnix é retirado por conter sangue ou mecónio, contudo as zonas da pele em que é preservado demonstram maior resistência e menos lesões. |
Actividades que concretizam a intervenção:
| O RN (recém-nascido) pré-termo está sujeito à aplicação de dispositivos (eléctrodos, adesivos, entre outros), que são muitas vezes responsáveis por lesões na pele. Apesar dos maleficios muitas vezes provocados pelos adesivos, eléctrodos e outros, eles são essenciais no dia-a-dia da nossa UCIN. A remoção dos adesivos por muito cuidadosa que seja, provoca zonas de abrasão, pelo que optamos por limitar ao indispensável o uso de dispositivos (evitamos por exemplo, o uso de eléctrodos em bebés com idade gestacional ≤ 25 semanas nos primeiros 3 a 4 dias de vida). Por verificarmos queimaduras na zona de fixação do saturímetro, alternamos o local de 6/6horas. Estes bebés habitualmente apresentam pouca mobilidade, pelo que tentamos alternar as zonas de maior pressão (por exemplo pavilhões auriculares), e usamos de forma preventiva os colchões de gel. |
| O banho induz mudanças na pele, principalmente no seu pH. Um dos aspectos mais importantes na limpeza da pele é a preservação da sua camada ácida. Ao nascer, o pH da pele dos bebés é menos ácido do que o pH das crianças mais velhas. Em 4 dias o pH desce para valores bacteriostáticos (pH <5). Nos bebés prematuros a descida do pH pode demorar 2 a 4 semanas, o que os torna mais vulneráveis à infecção. Relativamente à frequência do banho, segundo Trotter (2004) este pode causar ressequimento e irritar a pele. Assim, o banho nunca deverá ser dado por rotina, deve sim ser alvo de reflexão. No que diz respeito aos produtos a usar durante o banho as opiniões divergem. Sabe-se que o uso de sabões, pós, loções e óleos alteram o pH da pele. No caso dos sabões alcalinos, o pH pode aumentar até dois pontos e meio. Em bebés prematuros o tempo necessário para que o pH retome o seu valor inicial pode durar até sete dias. (Bobak et al, 1999). Após as 2 primeiras semanas de vida a pele do RN pré-termo sofre uma maturação acelerada, passando a ter as mesmas características da pele do RN de termo. Existem 2 escolas que defendem abordagens diferentes no que concerne ao uso de produtos no banho. Uma das escolas é apologista do “Water only cleansing”. Esta escola argumenta que o RN deverá ser limpo nas primeiras 2-4 semanas de vida apenas com àgua, já que segundo Medves et al, (2001) os RN lavados com água e sabão neutro em comparação com os RN lavados apenas com água apresentavam diferenças mínimas na colonização bacteriana da pele. Após este período, poderão ser introduzidos produtos com pH neutro com o mínimo de perfumes e conservantes, sendo usados apenas 2 a 3 vezes por semana (Trotter, 2002). No caso de RN prematuros este período deverá ser alargado às 6 semanas após o nascimento. A segunda escola (AWHONN/NANN) defende o uso de produtos suaves logo após o nascimento. Contudo, no que diz respeito a RN com idade gestacional inferior a 32 semanas e/ou com peso inferior a 1000gr a recomendação continua a ser apenas com água. Após desenvolvermos este trabalho tentamos iniciar um protocolo de actuação, contudo aguardamos aprovação da Instituição. A partir das duas semanas de vida, deve no entanto ponderar-se o banho, já que em grande parte dos casos é apenas suficiente a limpeza diária da região da fralda. |
Actividades que concretizam a intervenção:
| De acordo com Oliva e Salgado (2003), uma hidratação adequada dos queratinócitos é essencial para a manutenção das funções da pele, para optimizar o efeito barreira contra agressões externas e para manter o equilíbrio térmico e hidroelectrolítico. Actualmente é preconizado o uso de emolientes, que conferem à pele uma hidratação eficaz, sendo capazes de intercalar-se nos seus interstícios e funcionando então como uma barreira mecânica à perda de água. Estes têm uma maior eficácia se aplicados logo após o banho com a pele ainda húmida. Tal como o banho, deverão ser aplicados apenas 2 a 3 vezes por semana, e em RN com mais de 2 semanas de vida. Dentro deste grupo de produtos encontramos por exemplo a vaselina, a lanolina, ou óleos minerais e vegetais. Os produtos a aplicar devem manter as características dos produtos do banho: ausência de álcool, perfume, conservantes, serem suaves e neutros para a pele (ph ácido). Após desenvolvermos uma pesquisa rigorosa relativamente aos produtos a usar no banho e na hidratação da pele, encontramos uma linha que consideramos adequada às nossas necessidades, que neste momento se encontra no serviço em fase de experimentação ( Avène-Pediatril ®). Até ao momento não obsrevamos qualquer tipo de reacção adversa. |
Actividades que concretizam a intervenção:
| Qualquer substância aplicada na pele de um RN, especialmente se for prematuro, é susceptível de ser absorvida. Assim deverão ser usados produtos com baixa toxicidade (Consensos Nacionais em Neonatologia, 2004). A vaselina por manter a humidade, favorecerá o processo de granulação/cicatrização. O óxido de zinco estimula a actividade enzimática, colabora no bom funcionamento do sistema imunológico, e actua na síntese do ADN, favorecendo a cicatrização. Temos verificado que mesmo em lesões com necrose a vaselina pomada destaca com facilidade as placas, favorecendo a cicatrização por segunda intenção. Até então usávamos vitamina A pomada como adjuvante da cicatrização, contudo a marca Avène® dispõe de um produto (Cicalfate®) que temos verificado, actua mais rapidamente em lesões exsudativas. |
Quadro 2
Critérios de resultado:
– A pele da criança mantém-se íntegra e sem lesões;
– São minimizadas as consequências nocivas das intervenções de enfermagem invasivas, que envolvem comprometimento da integridade da pele;
– São melhoradas as condições da pele (dada a sua imaturidade e consequentes características);
– Na presença de lesão é restabelecida com eficácia a integridade da pele.
Conclusão
O nascimento prematuro é algo que ainda não conseguimos controlar. Assim cabe-nos a tarefa de diminuir a ocorrência de complicações, associadas à imaturidade da pele.
A protecção e a preservação da pele destes recém-nascidos são um importante passo para a saúde neonatal, devendo ser encarada pelos profissionais de saúde como uma área com enorme importância na planificação e prestação de cuidados. Temos o dever de desenvolver uma prática de manuseamento da pele, capaz de evitar alterações nefastas.
Estratégias como a implementação de protocolos de actuação baseados na evidência, bem como a realização de estudos e pesquisa nas unidades, serão elementos fundamentais para a melhoria da qualidade dos cuidados prestados.
Referências Bibliográficas
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