A prevenção e a educação são fundamentais na prestação de cuidados ao diabético com risco de desenvolver lesões.
INTRODUÇÃO
Este trabalho resultou de uma reflexão crítica da nossa prática diária, visto ser uma realidade com a qual contactamos diariamente no nosso serviço (Cirurgia Geral). Somos, frequentemente, confrontados com situações em que pequenas lesões do pé levam a internamentos repetitivos e prolongados e/ou amputação cirúrgica do membro.
A diabetes mellitus constitui um grave problema de saúde pública a nível mundial e que se encontra em rápida expansão, sobretudo nos países desenvolvidos. Estima-se que existam mais de 170 milhões de pessoas com diabetes a nível mundial (Organização Mundial de Saúde, 2000) e que este valor terá duplicado em 2030. Em Portugal, dados recentes da Sociedade Portuguesa de Diabetologia (2007), referem que cerca de 6,5% da população portuguesa é diabética.
Uma das complicações mais dramáticas da diabetes é o pé diabético, uma vez que, ainda continua a ser responsável por um elevado número de amputações cirúrgicas dos membros inferiores. A Direcção Geral de Saúde (2001) refere que, cerca de 15% da população diabética tem condições favoráveis ao aparecimento de patologias nos pés, sendo o pé diabético responsável por 40 a 60% de todas as amputações não traumáticas.
A Sociedade Espanhola de Angiologia e Cirurgia Vascular, cit in REVILLA [et al] (2007), define o pé diabético como uma “alteração clínica de base etiopatogénica neuropática e induzida pela hiperglicemia mantida, com ou sem coexistência de isquémia, e prévio desencadeante traumático, produzindo lesão e/ou ulceração do pé”.
FISIOPATOLOGIA DO PÉ DIABÉTICO
Um doente diabético, que seja portador da doença há já alguns anos, é um candidato a desenvolver neuropatia que, associada a alterações da circulação sanguínea, torna-o mais vulnerável a infecções nos pés. Então, a tríade composta pela neuropatia, vasculopatia (Doença Arterial Periférica) e alterações imunológicas e infecção, constitui a base para o surgimento do pé diabético (REVILLA [et al], 2007). No entanto, este pode ser provocado apenas por um dos factores, sendo a neuropatia o mais frequente.
A neuropatia periférica afecta os nervos sensoriais periféricos dos membros inferiores, provocando a redução ou perda da sensibilidade, ausência de sudação e deformação do pé com proeminências ósseas metatársicas, que conduzem a alterações na marcha e, consequentemente, formação de calosidades, por prolongada pressão local, e eventualmente ulceração da pele (ROCHA [et al], 2006).
Normalmente, a vasculopatia pode não ser a causa inicial de desenvolvimento da úlcera, mas dificulta a sua cicatrização e, quando associada a neuropatia, torna-se um problema acrescido, uma vez que o doente apresenta alteração da sensibilidade, devido aos níveis críticos de isquémia (ROCHA [et al], 2006).
O pé diabético pode, então, ser classificados (cf. QUADRO 1) em dois tipos, de acordo com a sua etiopatogenia: neuropático e isquémico (EDMONDS, 1987 cit in AFONSO [et al], 2005). No entanto, em 1994 o mesmo autor acrescenta, também, o nome de neuro-isquémico, uma vez que, o pé isquémico puro sem neuropatia é raro (EDMONDS, 1987 cit in AFONSO [et al], 2005).
QUADRO 1 – CLASSIFICAÇÃO FISIOPATOLÓGICA DO PÉ DIABÉTICO
Pé Neuropático | Pé isquémico |
Quente | Frio |
Rosado | Pálido com elevação, cianosado com declive |
Pele seca e fissurada | Pele fina e brilhante |
Deformações | |
Insensível à dor | Com sensação dolorosa |
Pulsos amplos | Pulsos diminuídos ou ausentes |
Veias ingurgitadas | Aumento do tempo de enchimento capilar |
Edemaciado | Sem edema |
Se úlcera: 1º e 5º metacarpo e calcâneo (posterior); redondas com anel querotásico periulcerativo; não dolorosas | Se úlcera: latero-digital; sem anel querotósico; dolorosas |
FONTE: REVILLA, Gema [et al] – O pé dos diabéticos. Revista Portuguesa de Clínica Geral. Lisboa: n.º23 (Setembro/Outubro de 2007), p.616. ISSN 0870-7103
PREVENÇÃO DO PÉ DIABÉTICO
O pé diabético é um estigma que pode ser evitado ou diminuído se houver a preocupação de o controlar. A prevenção e a educação são fundamentais na prestação de cuidados ao diabético com risco de desenvolver lesões. Por isso, é essencial uma avaliação periódica dos pés do diabético, por partes dos profissionais de saúde. O Consenso Internacional sobre o Pé Diabético, preparado pelo GRUPO DE TRABALHO INTERNACIONAL SOBRE O PÉ DIABÉTICO (1999) refere que há cinco princípios que se devem seguir:
- Inspecção e exame frequentes do pé em situação de risco (cf. QUADRO 2): pelo menos uma vez por ano.
Quadro 2 – FACTORES DE RISCO NOS PÉS DOS DIABÉTICOS
Úlcera ou amputação prévia Complicações tardias da diabetes Diminuição da acuidade visual Desconhecimentos dos riscos da doença Condições socioeconómicas deficientes Depressão Pele seca do pé Presença de calosidades, gratas ou onicomicoses Presença de edema Deformidade dos dedos ou rigidez articular Neuropatia Doença arterial periférica Uso inadequado de meias e calçado |
FONTE: REVILLA, Gema [et al] – O pé dos diabéticos. Revista Portuguesa de Clínica Geral. Lisboa: n.º23 (Setembro/Outubro de 2007), p.617. ISSN 0870-7103
Identificação do pé em situação de risco (DGS, 2001):
- Baixo risco – ausência de factores de risco (vigilância anual);
- Médio risco – um ou mais factores de risco, excepto neuropatia ou vasculopatia (vigilância semestral);
- Alto risco – existência de neuropatia ou isquémia (vigilância mansal/trimestral).
- Educação do doente, dos familiares e dos prestadores de cuidados de saúde: A educação do doente e seus familiares tem um papel primordial na prevenção do pé diabético. Para DGS (1998) cit in MATEUS (2004), esta é essencial para a prevenção, e deve ser relativa a: observação frequente dos pés, conselhos práticos de higiene, conhecimento dos agentes agressores, uso de palmilhas e calçado específico e remoção de calosidades.
O Consenso Internacional sobre o Pé Diabético, preparado pelo GRUPO DE TRABALHO INTERNACIONAL SOBRE O PÉ DIABÉTICO (1999) sintetizou os pontos mais importantes a serem abordadas no ensino ao doente, sobre os cuidados a ter com os pés:
- Inspecção diária dos pés, incluindo entre os dedos (pelo doente ou outra pessoa);
- Lavagem diária dos pés (temperatura da água inferior a 37º), que devem ser cuidadosamente secos, nomeadamente entre os dedos;
- Não expor os pés a temperaturas extremas (frias ou quentes);
- Evitar andar descalço e não utilizar calçado sem meias;
- Não cortar ou utilizar produtos químicos ou adesivos para remover as superfícies córneas ou calosidades (apenas deve ser realizado por especialistas credenciados);
- Inspeccionar e palpar diariamente o interior dos sapatos;
- Utilizar creme hidratante se a pele estiver seca (não aplicar entre os dedos);
- Mudar diariamente de meias;
- Utilizar as meias com as costuras para fora ou, de preferência, sem qualquer costura;
- Cortar as unhas a direito, não muito rentes;
- Fazer exercício físico moderado e adequado à sua situação clínica (ex: caminhadas diárias);
- Não fumar;
- Controlar a glicemia, tensão arterial e lípidos (controlar a alimentação);
- Assegurar-se que os seus pés são observados regularmente por um profissional de saúde;
- Informar imediatamente o profissional de saúde no caso de surgirem flictenas, fissuras, arranhões, dor, alterações da cor ou outras alterações neurocirculatórias.
- Utilização de calçado apropriado: cómodos e, preferencialmente, perfeitamente adequados ao pé, às suas deformações e alterações biomecânicas.
- Tratamento da patologia não ulcerada: alterações cutâneas e das unhas (calosidades, hiperqueratoses, onicomicoses, fissuras, flictenas, etc), deformações ósseas, neuropatia diabética, doença arterial periférica.
TRATAMENTO DA ÚLCERA
Muitas vezes, mesma com a adopção das medidas anteriores, a ulcera surge e é necessário o seu tratamento. A elaboração do tratamento passa pela existência de critérios padronizados de avaliação da ferida. Assim, o GRUPO DE TRABALHO INTERNACIONAL SOBRE O PÉ DIABÉTICO (1999) refere que para a elaboração de um tratamento deve-se ter em conta os seguintes aspectos: causa da úlcera, tipo de úlcera, localização e profundidade e sinais de infecção. O mesmo grupo refere que o método de tratamento das úlceras deve ter os seguintes princípios:
- Alívio da pressão (calçado e palmilhas apropriadas);
- Melhoria da irrigação sanguínea (revascularização arterial e tratamento do tabagismo, hipertensão arterial e dislipidemia);
- Controlo metabólico;
- Educação dos doentes e familiares;
- Determinação da causa e prevenção da recorrência;
- Cuidados locais da ferida.
BARNETT (1994) cit in MATEUS (2004) acrescenta ainda a elevação (para facilitar a drenagem) e a antibioterapia.
Em relação aos cuidados locais à ferida, estes dependem do grau da úlcera e do tipo de pé diabético (isquémico ou neuropático).
CONCLUSÃO
O pé diabético é uma complicação grave da diabetes mellitus, provocado, na maior parte das vezes, pela não adopção das medidas de prevenção adequadas recomendadas.
A formação dos profissionais de saúde no âmbito desta temática é fundamental!
A Prevenção e a Educação dos doentes/família são as pedras basilares na prestação de cuidados ao diabético com risco de desenvolver lesões nos pés.
BIBLIOGRAFIA
- AFONSO, Gustavo [et al] – Pé diabético: prevenção e tratamento. Revista Ser Saúde. Póvoa de Lanhoso: n.º5 (Maio/Junho de 2007), p.96-108. ISSN 1646-5229.
- DIRECÇÃO GERAL DA SAÚDE – Circular normativa: pé diabético – programa de controlo da diabetes mellitus. [s.l.]: [s.n.], n.º8 de 24 de Abril de 2001.
- GRUPO DE TRABALHO INTERNACIONAL SOBRE O PÉ DIABÉTICO – Directivas Práticas sobre o tratamento e a prevenção do pé diabético. Lisboa, 1999, 20p. ISBN 90-9012716-x.
- MATEUS, Carlos – O pé diabético: uma revisão. [s.l.]: [s.n.], 2005. Revisto em 2008 [consultado a 7 de Janeiro de 2008]. Disponível em <URL: http://www.gaif.net/artigos/SegartigorevisFev2005.pdf>.
- ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – Prevalence of diabetes worldwide [em linha]. [s.l.]: [s.n.], 2000. Revisto em 2008 [consultado a 6 de Janeiro de 2008]. Disponível em <URL: http://www.who.int/diabetes/facts/world_figures/en/>.
- REVILLA, Gema [et al] – O pé dos diabéticos. Revista Portuguesa de Clínica Geral. Lisboa: n.º23 (Setembro/Outubro de 2007), p.615-626. ISSN 0870-7103.
- ROCHA, Marília – Feridas: uma arte secular. Coimbra, 2006, 223p. ISBN 972-798-176-3.
- SOCIEDADE PORTUGUESA DE DIABETOLOGIA – Inquérito nacional de saúde e guia da pessoa com diabetes [em linha]. [s.l.]: [s.n.], 2007. Revisto em 2008 [consultado a 4 de Janeiro de 2008]. Disponível em <URL: http://www.spd.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=173>.
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