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Conversando com Enfermeiros Recém Licenciados

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Revista Sinais Vitais

A revista sinais vitais quis ouvir um conjunto de recém licenciados para saber qual o seu estado de espírito actual face às expectativas que tinham quando decidiram ingressar no Curso de Enfermagem e como se sentem hoje face às circunstâncias de dificuldade de emprego e de exercício da profissão.

Sinais Vitais nº 73

Entrevista da responsabilidade do Enfermeiro Fernando Amaral

Todos os dias ouvimos referências sobre a falta de enfermeiros no sistema nacional de saúde. Cada vez mais a evidência científica mostra uma associação positiva entre ganhos em saúde, evidenciados nos utentes dos serviços, e o número de enfermeiros. No entanto e paradoxalmente os licenciados em Enfermagem começam a ter dificuldades em conseguir o seu primeiro emprego.

A revista sinais vitais quis ouvir um conjunto de recém licenciados para saber qual o seu estado de espírito actual face às expectativas que tinham quando decidiram ingressar no Curso de Enfermagem e como se sentem hoje face às circunstâncias de dificuldade de emprego e de exercício da profissão.

Fizemos as mesmas perguntas a 5 Enfermeiros recém licenciado: Ana Isabel Ferreira Nina dos Santos a trabalhar já no Centro de Saúde de Alcântara; Tiago André Campos Amado, a trabalhar no CS de Celas em Coimbra; Gil Filipe Duarte Abrantes Pires a trabalhar no Hospital Infante D.Pedro E.P.E; Daniel Ricardo Simões de Carvalho a trabalhar no Centro de Saúde de Alcântara; Lisa da Conceição Rodrigues Neves a trabalhar no Centro de Saúde de Alcântara.

ANA ISABEL FERREIRA NINA DOS SANTOS

 

SV – Que expectativas tinha em relação à profissão quando entrou para o curso de enfermagem nomeadamente quanto à oportunidade de emprego assegurado e outras e de que forma hoje as encara?

Quando entrei para o curso de enfermagem não me preocupava se haveria emprego ou não. O que mais se ouvia dizer era que havia falta de enfermeiros.

Por isso à partida não era um problema, pois pensava que mal acabasse o curso teria logo emprego onde e quando quisesse.

Pensava sim, em conseguir tirar boas classificações porque seria a partir dai que a selecção dos enfermeiros para uma instituição de saúde se iria efectuar.

Hoje vejo que conseguir emprego é uma questão de sorte… Ou se vai na altura certa a uma instituição que no momento necessita de um enfermeiro e vamos trabalhar logo no dia a seguir, ou então dizem-nos que no momento não estão a contratar enfermeiros, têm o quadro lotado. Ou então, tem se “conhecimentos” dentro da instituição de saúde que ajudam no processo de contratação de um enfermeiro. Outro facto é que quem procura emprego não tem muito por onde escolher. O primeiro emprego que surja tem que se aproveitar, porque muitos ainda são os colegas de curso que, estão no desemprego ou a fazer estágios profissionais não remunerados.

SV – Durante o curso em que momento é que se apercebeu da dificuldade de encontrar emprego?

Após terminar o curso, deparei me com uma situação imprevista… dificuldade em arranjar emprego. Não só no meu local de residência, como em outras regiões do país. Realmente ter que ficar 3 meses em casa, sem trabalhar e à procura de emprego foi a pior coisa que me aconteceu… entregar currículos em todos os hospitais e instituições de saúde e ficar à espera de um contacto para começar a trabalhar foi desesperante!

No entanto dou me por contente porque de momento tenho emprego, ainda que seja a contrato e isso crie muita instabilidade na minha vida pessoal.

SV – Fala-se tanto da falta de enfermeiros no Sistema de Saúde, como analisa o facto de começar a haver desemprego?

Eu penso que o facto de começar a haver desemprego no sistema de saúde é devido a vários factores, essencialmente: o aumento de escolas de enfermagem particulares ou privadas a formarem enfermeiros, a privatização das instituições de saúde, o aumento do horário laboral dos enfermeiros em algumas instituições; a possibilidade dos enfermeiros ter mais do que um emprego, fazer acumulação de funções.

SV – Em relação à formação que obteve no curso ela foi a que esperava, entende que se encontra preparada para enfrentar a realidade do sistema de saúde?

A formação que obtive no curso foi de encontro às minhas expectativas, no entanto tenho a noção que se fosse um curso mais prático do que já é, sairíamos muito mais bem preparados para a vida profissional.

Contudo em comparação com outros enfermeiros formados noutra escola diferente da minha, denoto que saímos com uma panóplia de conhecimento muito maior e por isso mesmo com mais traquejo para as diferentes áreas de saúde.

SV – Tem alguma sugestão que fosse capaz de fazer ao governo para alterar este estado de coisas?

Sugeria ao governo, que se eles querem fazer reduções de custos e melhorar os cuidados de saúde nos sistema de saúde, para não o fazerem reduzindo ou mesmo não deixar que as instituições de saúde contratem enfermeiros. Porque não é assim que vão melhorar o estado de saúde dos utentes. A redução de enfermeiros nos serviços de saúde vão fazer com que a nossa prestação de cuidados de saúde não seja tão eficaz como gostaríamos e desejávamos.

SV – O que pensa da proliferação de cursos de enfermagem e de que modo isso pode estar a influenciar o actual momento?

O facto de que a cada ano que passa aumentar o numero de vagas para o ingresso ao ensino superior na área de enfermagem e como consequência, o aumento do número de recém licenciados, saídos tanto de escolas publicas como privadas, vai fazer com que haja uma procura de emprego muito maior, originando o desemprego, com aquilo que se passa no momento na nossa profissão. E penso que esta situação irá piorar, sobretudo para os próximos recém licenciados.

GIL FILIPE DUARTE ABRANTES PIRES

SV – Que expectativas tinha em relação à profissão quando entrou para o curso de enfermagem nomeadamente quanto à oportunidade de emprego assegurado e outras e de que forma hoje as encara?

As minhas expectativas quando entrei no curso de enfermagem consistiam em: ser licenciado num curso na área da saúde activo na sociedade; ter emprego garantido ou sem grandes dificuldades de empregabilidade após o términus do curso; e poder continuar a desenvolver-me do ponto de vista académico (mestrado e doutoramento em Enfermagem) e profissional (especialização). Hoje em dia considero que a minhas expectativas iniciais não estavam totalmente de acordo com a realidade. Considero que os enfermeiros devem valorizar mais a sua profissão e fazer todo para isso, de modo a reforçar a participação e o papel da enfermagem na sociedade. Iniciei a minha actividade profissional logo após o términus do curso, sendo a excepção à regra dado que o curso de licenciatura de enfermagem não garante hoje em dia emprego de imediato. Existem muitas dificuldades e barreiras a transpor, dado que o mercado de trabalho comporta-se como saturado, o que por vezes não corresponde bem a verdade. Em relação ao fortalecimento da Enfermagem do ponto de vista científico, considero que se tem evoluído muito neste últimos anos e que hoje em dia existem possibilidades para os enfermeiros contribuírem de forma activa para esse crescimento.

SV – Durante o curso em que momento é que se apercebeu da dificuldade de encontrar emprego?

Ao longo do curso procurei ser sempre estar atento a realidade que me rodeava. Durante o primeiro e segundo ano não notei grandes dificuldades de empregabilidade. Mas foi a partir do terceiro ano que comecei a constatar por parte de colegas recém-licenciados maiores dificuldades de encontrar emprego e este próximo da sua área de residência.

SV – Fala-se tanto da falta de enfermeiros no Sistema de Saúde, como analisa o facto de começar a haver desemprego?

Na minha óptica o facto de começar a existir focos de desemprego em enfermagem pode estar relacionados com vários aspectos: a redução da despesa pública, de acordo com as políticas vigentes, implica contenção de gastos logo contenção na admissão de novos enfermeiros, mesmo quando estes são necessários. Esta política também é utilizada pelo sector privado; outro facto são os contratos a termo certo de curta duração que implica uma constante entrada e saída de enfermeiros; nestes últimos anos tens verificado reformas políticas que aumentaram a idade de reforma, o que veio a implicar que nestes últimos anos os enfermeiros que pensavam em se reformar vão prolongar o seu exercício profissional por mais anos. Desta forma a renovação entre gerações fica comprometida e adiada; e ainda se verifica, em pequena escala, recém-licenciados (desempregados) a optarem por ficar a espera de empregos mais pertos da sua área de residência.

SV – Em relação à formação que obteve no curso ela foi a que esperava, entende que se encontra preparado para enfrentar a realidade do sistema de saúde?

Sim, a formação que obtive no curso de licenciatura em Enfermagem foi de um modo geral ao encontro das minhas expectativas, embora existam áreas em que eu considero que deviam ter sido mais aprofundadas. O aprofundamento destas áreas são importantes para uma melhor preparação para o exercício profissional.

SV – Tem alguma sugestão que fosse capaz de fazer ao governo para alterar este estado de coisas?

Considero que as críticas só têm valor se forem construtivas e se apresentarmos alternativas. Dada a situação sócio-económica do nosso pais actualmente as minhas sugestões são as seguintes: redução efectiva das vagas de acesso para o curso de licenciatura em Enfermagem; maior estabilidade contratual para os enfermeiros após a admissão. Isto é, contratos ou outras formas de vinculação que não leve à constante entrada e saída de profissionais ao fim curtos períodos de emprego; e correcta dotação dos serviços em enfermeiros.

SV – O que pensa da proliferação de cursos de enfermagem e de que modo isso pode estar a influenciar o actual momento?

Considero que a proliferação de cursos de Enfermagem está a ser um “erro letal” para a enfermagem, essencialmente por dois motivos. Por um lado esta proliferação implica directamente um aumento do número de vagas para o curso de licenciatura em enfermagem. Logo há formação de mais profissionais que o mercado de trabalho, devido aos aspectos supra mencionados, não os vai absorver. Por outro lado, hoje em dia procurasse formar enfermeiros em quantidade em vez de se formar com qualidade. Isto é, actualmente a qualidade na prestação dos cuidados assumiu uma importância muito significativa sendo visível, por exemplo, pela acreditação de qualidade das instituições de saúde e a sua manutenção. O facto de existirem escolas de enfermagem, públicas e privadas, a apostarem nesta qualidade e outras apenas a formar em massas leva a formação de profissionais distintos, demonstrando desta forma duas imagens da Enfermagem: uma positiva (com qualidade) e outra negativa (sem qualidade).

Sendo assim, na minha óptica os organismos responsáveis pelo ensino da enfermagem deviam definir uma formação mais homogénea dos estudantes de enfermagem em Portugal, de modo a termos enfermeiros de excelência que prestam cuidados de qualidade aos seus utentes.

LISA DA CONCEIÇÃO RODRIGUES NEVES

 

SV – Que expectativas tinha em relação à profissão quando entrou para o curso de enfermagem nomeadamente quanto à oportunidade de emprego assegurado e outras e de que forma hoje as encara?

Entrar para o curso de enfermagem era algo que muito ambicionava principalmente por gostar da área em si, ser uma profissão em constante desenvolvimento e actualização e ainda com a vantagem, difícil de ignorar nos dias que correm, do desemprego na área ser algo utópico, do qual não se falava. Admito que quando entrei para o curso a problemática de encontrar o primeiro emprego como enfermeira não era alvo da minha preocupação: “do Minho ao Algarve haverá emprego a nível hospitalar ou num Centro de Saúde”.

Com isto quero dizer que o facto de não ficar imediatamente colocada na região ou instituição de eleição era já uma realidade para a qual me encontrava desperta mas com a esperança de a curto prazo conseguir mudar para o local pretendido

Hoje constato a grande dificuldade em conseguir o primeiro emprego apresar do nosso grande esforço e persistência. A falta de experiência, o facto de não residir muitas vezes na zona de influência da instituição são factores que dificultam o acesso. O primeiro emprego acontece cada vez mais tarde e a perspectiva de mudança perdura-se no tempo. Acho que se não forem tomadas medidas a situação tende a piorar a cada ano que passa.

SV – Durante o curso em que momento é que se apercebeu da dificuldade de encontrar emprego?

À medida que os anos académicos iam passando era notória a crescente dificuldade dos colegas que terminavam o curso em conseguir o primeiro emprego nos locais pretendidos. Com isso a preocupação com o futuro profissional ia aumentando. Mas foi sobretudo no último ano de curso que esta situação de instabilidade se foi tornando mais clara à medida que procurava estar mais esclarecida e actualizada sobre as perspectivas de empregabilidade, contudo, ainda existia alguma duvida em relação ao que se dizia sobre a dificuldade em conseguir emprego. No terminus do curso, após centenas de minutas enviadas, currículos, telefonemas, viagens de norte a sul do país, é que esta duvida passou a uma certeza desconfortante.

A dificuldade em conseguir emprego na enfermagem passava a ser uma realidade para a qual não estava preparada.

SV – Fala-se tanto da falta de enfermeiros no Sistema de Saúde, como analisa o facto de começar a haver desemprego?

A falta de enfermeiros no sistema de saúde é uma realidade o que torna difícil perceber como se pode falar em desemprego na área. A própria sociedade não se encontra desperta para esta situação nem mesmo alguns colegas enfermeiros que ficam espantados quando falamos da dificuldade em encontrar emprego e do facto de existirem colegas no desemprego.

Apesar de se saber a importância de uma dotação de pessoal correcta é essencial para assegurar a qualidade dos cuidados, a contratação de novos profissionais começa a ser algo raro. A meu ver alguns factores precipitaram esta situação como os cortes orçamentais das instituições de saúde, a nova lei da reforma em que os enfermeiros têm de trabalhar durante mais anos, a passagem dos contratos de 35 horas para 40 horas havendo assim menor necessidade de novos contratos e o próprio encerramento de alguns serviços. Também não podemos esquecer que cada vez mais se formam novos enfermeiros e assiste-se a uma proliferação de novas escolas e cursos de enfermagem e de ano para ano há um acréscimo do número de vagas nas escolas.

SV – Em relação à formação que obteve no curso ela foi a que esperava, ou seja foi de encontro às suas expectativas?

Relativamente à formação que obtive durante o curso na Escola Superior de Enfermagem de Bissaya Barreto foi de encontro às minhas expectativas quer a nível de conteúdos programáticos mas sobretudo a nível do “SABER SER, SABER ESTAR” do enfermeiro que muito tem ajudado neste inicio de vida profissional. Ao longo do curso foi-nos salientado a importância de ser a própria pessoa a tornar-se activa no seu percurso e desenvolvimento enquanto enfermeiro.

Estando a enfermagem em constante desenvolvimento é importante que a escola acompanhe estas mudanças e prepare os seus alunos para a realidade que existe fora dos muros da escola. Como uma dessas realidades é o desemprego, sou da opinião que a escola deverá preparar os alunos para que eles criem o seu próprio emprego/empresa tornando-se menos dependentes de grandes instituições para conseguir esse mesmo e também abordar a temática do trabalho no estrangeiro como opção.

SV – Tem alguma sugestão que fosse capaz de fazer ao governo para alterar este estado de coisas?

Penso que uma das medidas que poderiam ter algum reflexo a longo prazo seria uma maior racionalidade na abertura de mais escolas e cursos de enfermagem e reduzir o numero de vagas para que haja uma maior concordância entre a necessidade existente e o numero de profissionais formados. Cada vez mais torna-se importante a união no seio da enfermagem para tomar as rédeas do seu próprio futuro.

SV – O que pensa da proliferação de cursos de enfermagem e de que modo isso pode estar a influenciar o actual momento?

O facto de haver um crescimento significativo dos cursos de enfermagem resulta num aumento de alunos e consequentemente num aumento de profissionais. Tendo em conta este momento particular de escassez de emprego a competitividade por um lugar irá aumentar. O próprio ensino poderá sair prejudicado uma vez que as instituições de saúde não terão capacidade de resposta para todos os pedidos de ensinos clínicos representando um decréscimo na qualidade da formação do aluno.

DANIEL RICARDO SIMÕES DE CARVALHO

SV – Que expectativas tinha em relação à profissão quando entrou para o curso de enfermagem nomeadamente quanto à oportunidade de emprego assegurado e outras e de que forma hoje as encara?

Embora a Enfermagem fosse desde jovem a minha primeira escolha, para profissão, tratava-se de uma realidade por mim desconhecida, uma vez que o meu
único contacto até então era como utente dos Cuidados de Saúde. No entanto, era comum quando se falava numa profissão com emprego e boas perspectivas de saída profissional a Enfermagem era uma das referenciadas. Hoje em dia quando alguém fala comigo sobre este assunto, eu procuro contar as dificuldades que eu e os meus colegas recém licenciados enfrentámos, primeiro na procura de um emprego e depois na estabilidade e segurança do mesmo que nos permitam começar a por em prática os nossos projectos e os nossos sonhos. No final desta conversa sinto que as pessoas começam a por em causa e mesmo a abandonar esta ideia pré concebida que possuíam.

SV – Durante o curso em que momento é que se apercebeu da dificuldade de encontrar emprego?

Penso que não posso afirmar que houve um momento concreto, foi sim uma situação com que me foi apercebendo gradualmente, à medida que os meus colegas mais velhos iam saindo para o mercado de trabalho. Se não vejamos, no meu primeiro ano os meus colegas finalistas praticamente todos começaram a trabalhar de imediato e nos locais pretendidos, não se ouvia falar de desemprego. No ano seguinte começou a haver alguma dificuldade em alguns colegas em conseguirem emprego nos locais pretendidos. Talvez no final do terceiro ano do meu curso comecei a sentir mais, alguma apreensão relativamente a este assunto. Conheci vários colegas que demoraram algum tempo para começara a trabalhar e muitos tiveram de procurar emprego fora da sua área de preferência, sobretudo em Lisboa.

Mas o grande choque e momento em que desci à realidade foi mesmo ao concluir o meu curso. Após mais de 1000Km percorridos, ter entregue currículos em mais de três dezenas de hospitais, e cruzar-me em cada uma delas com dezenas de colegas que tal como eu ouviam da boca dos responsáveis, “desculpem mas de momento não estamos e recrutar, nem há previsões de quando tal poderá acontecer, não se prendam aqui tentem em outros locais”!!! Mas há uma semana que eu fazia isso!!!

SV – Fala-se tanto da falta de enfermeiros no Sistema de Saúde, como analisa o facto de começar a haver desemprego?

Eu penso que existem dois factores que em muito contribuíram para este crescente desemprego em Enfermagem que agora se verifica. Em primeiro lugar a criação de uma grande percentagem de Hospitais EPE, que trouxeram consigo os Contratos de quarenta horas. E as contas são fáceis de fazer de fazer, onde antes eram necessários oito enfermeiros a trinta e cinco horas, hoje são necessários apenas sete a quarenta. Transpondo estas contas para os alunos
que comigo se formaram só na minha escola (Escola Superior de Enfermagem de Bissaya Barreto), dos cento e oitenta finalistas apenas cento e cinquenta e
oito seriam “necessários” se todos fizéssemos horários de quarenta horas. E os outros vinte e dois o que lhes aconteceria?

Outro aspecto importante prende-se com as alterações ao nível das reformas dos actuais funcionários públicos, quer com congelamento das reformas quer com o aumento da idade da reforma. Se não há saída de profissionais, se as instituições de saúde não aumentam, inclusivamente existem serviços a fechar com consequente distribuição dos profissionais por outros mais carenciados, não existem vagas para a entrada de novos profissionais.

Claro que a estes ainda poderia acrescentar outros que se vêm arrastando à alguns anos e que tem contribuindo para o agravamento da situação, como o excesso de Escolas de Enfermagem, a manutenção das Acumulações de Funções na Administração Pública e a manutenção da aposta de muitas entidades empregadoras nos part-times.

SV – Em relação à formação que obteve no curso ela foi a que esperava, entende que se encontra preparado para enfrentar a realidade do sistema de saúde?

Se esta pergunta me fosse colocada após o final do curso, responderia que e uma forma global sim, embora penso que existem áreas para a qual a escola não aprofundou o suficiente mesmo estando a falar de um curso de Formação Geral como é a Licenciatura em Enfermagem, poderia dar dois exemplos a CIPE e a actuação em situações críticas/emergência, sobretudo a primeira que nos coloca logo numa situação desvantagem no concurso para algumas instituições de saúde que já a adoptaram.

Hoje, um ano após a terminus do curso e já com oito meses de experiência profissional, acrescentaria que relativamente a um dos meus grandes receios, a minha formação escolar superou as minhas expectativas, no que se prende com a criação e modelação de competências que me permitam a integração e o desenvolvimento diário do meu exercício profissional neste inicio de carreira profissional. As lacunas acima citadas e outras ás quais a minha formação académica base não foram de encontro às minhas expectativas, são um forte incentivo para ter desenvolvido e vir a desenvolver uma contínua actualização e formação.

Além disso, hoje em dias as dificuldades sentidas pelos recém formados na obtenção de emprego, fizeram emergir novas necessidades de conhecimentos e competências que permitam abrir o seu leque de oportunidades. Falo por exemplo da possibilidade da criação do próprio emprego. Cabe ás escolas irem de encontro a estas novas realidades.

SV – Tem alguma sugestão que fosse capaz de fazer ao governo para alterar este estado de coisas?

Penso que de uma vez por todas não podemos estar à espera da mudança de ministro e consequente mudança de politicas para se alterar o estado das coisas.

Algumas das causas do desemprego já enumeradas parecem-me difíceis de no período mais próximos de reverter. A resolução tem que emergir no seio da enfermagem. Têm que ser os enfermeiros a criar e desenvolver projectos que levam à criação de mais emprego, de maiores necessidades de pessoal, quer dentro das próprias instituições quer no sector terciário e da prestação de serviços. Além disso é importante cada vez mais uma aposta séria e crescente na investigação que conduzam ao desenvolvimento do conhecimento e da autonomia da profissão, levando assim ao desenvolvimento da profissão e das competências do Enfermeiro. Este desenvolvimento conduzirá a uma melhoria da situação actual.

SV – O que pensa da proliferação de cursos de enfermagem e de que modo isso pode estar a influenciar o actual momento?

Li há pouco tempo que existem cerca de meia centena de Escolas ou Instituições de Ensino onde é possível realizar a Licenciatura em Enfermagem, são demasiadas em meu entender. São muitos milhares de Enfermeiros que todos os anos se formam e começam a inundar o mercado de trabalho. Com a crescente diminuição da oferta do mercado de trabalho, caso a situação não se reverta, num futuro não muito longínquo vamos ter um agravamento dos números do Desemprego em Enfermagem. Além disso também se verifica já hoje em dia uma incapacidade das Instituições de Saúde de darem uma resposta adequada aos pedidos de Ensinos Clínicos feitas por parte da escola, decorrente do excesso de alunos o que pode motivar uma diminuição da qualidade da formação.

TIAGO ANDRÉ CAMPOS AMADO

 

SV – Que expectativas tinha em relação à profissão quando entrou para o curso de enfermagem nomeadamente quanto à oportunidade de emprego assegurado e outras e de que forma hoje as encara?

Eu sou uma de muitas pessoas que ao terminar o Ensino Secundário escolheu um curso superior que não Enfermagem (no caso professor de Educação Física).

A mudança para Enfermagem surgiu obviamente por gosto pessoal, mas também motivada pelas carências de emprego enquanto professor e pela ilusão de uma fácil colocação no mercado de trabalho enquanto enfermeiro e de uma situação contratual e financeira que me permitisse estabilidade pessoal.

Como é óbvio, ao concluir a Licenciatura em Enfermagem senti-me decepcionado e defraudado em relação às expectativas de um fácil emprego enquanto enfermeiro, tendo em algumas alturas ponderado se teria sido tomado a decisão correcta com esta mudança de curso.

Hoje sinto-me bastante inseguro em relação ao meu futuro, sabendo que no final de cada contrato poderei ficar desempregado, e que perante essa situação a minha vida poderá mudar drasticamente.

É-me impossível pensar em estabilizar a vida e realizar os meus sonhos num futuro próximo, nunca sabendo quando poderei ficar sem contrato, e apercebendo-me que nenhumas das mudanças que se verificam a nível da saúde são benéficas para os enfermeiros na minha situação.

SV – Durante o curso em que momento é que se apercebeu da dificuldade de encontrar emprego?

Nos primeiros dois anos do curso não tive minimamente essa noção. Os colegas que conhecia conseguiam bons empregos, em bons hospitais, alguns nos sítios onde haviam realizado Ensinos Clínicos.

Comecei-me a aperceber no final do 3º ano, quando os colegas do 4º ano terminaram. Praticamente todos os colegas com quem falava estavam com muitas dificuldades no conseguir o primeiro emprego e estavam todos a tentar sítios como Lisboa, Alentejo e Algarve.

Actualmente tenho a certeza que todos os alunos do curso já têm essa perspectiva, até porque, e não num sentido pessimista e negativista mas sim num sentido de incentivar a combatividade na procura de melhor formação e de emprego, nós, que já sentimos essas dificuldades, procuramos transmitir-lhes essa mesma mensagem.

SV – Fala-se tanto da falta de enfermeiros no Sistema de Saúde, como analisa o facto de começar a haver desemprego?

Considero que o desemprego se deve ao número excessivo de enfermeiros recém-licenciados em cada ano e às políticas económicas vivenciadas em Portugal neste momento, sendo regra geral as justificações mais frequentes para a não contratação a falta de fundos e a saturação do número de enfermeiros contratados por instituição.

No entanto observa-se com facilidade um reduzido número de enfermeiros face às necessidades dos serviços, conduzindo a uma ideologia de fazer o máximo possível, com o número mínimo de enfermeiros e consequentemente com o menor gasto possível.

Como exemplo temos situações como a privatização de muitas instituições, e consequente passagem de 35/h semanais para 40h/semanais, diminuindo assim as necessidades de contratação.

Apesar de tudo, conheço e valorizo o esforço das instituições empregadoras no sentido de nos manterem nos serviços, situação esta que se repete a cada término de contrato.

SV – Em relação à formação que obteve no curso ela foi a que esperava, entende que se encontra preparado para enfrentar a realidade do sistema de saúde?

No geral penso que sim. Penso tratar-se de um curso exigente, quer a nível teórico quer a nível prático, com bastantes conteúdos abordados e outros tantos passíveis de ser mais explorados, e com uma carga horária intensa.

Gostaria ainda de salientar que muitas das vezes a desvalorização e a falta de visibilidade da nossa profissão começa na própria desvalorização do esforço necessário para concluir o curso.

É necessário um enorme esforço pessoal (e falo por verificar as experiência de outros colegas que frequentam outros cursos e por ter também estado noutro curso) que não se verifica na grande maioria desses cursos. Um fácil exemplo são os Ensinos Clínicos, em que a pessoa não só realiza o horário de um profissional, como estuda, realiza trabalhos e pesquisas, em horário extra Ensino Clínico, correspondendo esta situação a metade do Curso de Licenciatura em Enfermagem.

SV – Tem alguma sugestão que fosse capaz de fazer ao governo para alterar este estado de coisas?

Apesar de me considerar um privilegiado e uma excepção face aos restantes colegas, uma vez que comecei a trabalhar menos de um mês após o término do curso, mantenho-me a trabalhar desde então, e aliado a isto trabalho na cidade em que nasci e vivo, devo dizer que praticamente todos os colegas que conheço (eu inclusive) mantêm vínculos precários (normalmente contratos de 3 meses + 3 meses, eventualmente renováveis) com constantes interrupções que duram desde alguns dias até alguns meses, ou trabalham durante alguns meses em regimes de substituição, ou aceitam estágios profissionais não remunerados, ou aceitam empregos com drásticas reduções salariais, que devemos considerar vergonhosas para a profissão.

Como jovens queremos acima de tudo trabalhar, mas deveria ser trabalho com condições, com estabilidade, com possibilidade de apostar na formação e na carreira, e trabalhar olhando para o futuro, pelo que a minha principal sugestão para o governo seria a estabilização dos contratos.

Penso que os actuais contratos são insatisfatórios a todos os níveis quer para o empregado quer para a entidade empregadora, levando a uma constante e nunca benéfica rotatividade de tipo e local de trabalho.

SV – O que pensa da proliferação de cursos de enfermagem e de que modo isso pode estar a influenciar o actual momento?

Na minha opinião existe um número excessivo de escolas, quer privadas quer públicas, com excessivas vagas, o que consequentemente origina a saída de um número excessivo de recém-licenciados.

Temos o exemplo de Coimbra, em que formam no final de cada ano cerca de 350 enfermeiros. Como podemos constatar em qualquer dos últimos concursos a nível da região de Coimbra, existiram sempre mais de 1000 enfermeiros listados.

Verifica-se claramente a saturação do mercado de trabalho após o aparecimento de um sem número de escolas, com excessivas vagas, olhando por demasiadas vezes para o estudante de enfermagem como um número, como uma fórmula económica. Associando a esta situação as actuais políticas aplicadas e em aplicação a nível nacional, que visam a contenção económica, facilmente se chega a uma situação de excessiva oferta de serviços para diminuta oferta de emprego.

Penso que os organismos reguladores da profissão deveria assumir um papel interventivo e fundamental na regulamentação quer do número de escolas quer do número de vagas por cada escola, tendendo sempre para uma redução de ambos.