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Raul Fernandes Presidente da FNAEE

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Entrevista: Raul Fernandes Presidente da FNAEE

Entrevista a Raul Fernades, Presidente da Direcção da FNAEE

Em Portugal a formação em Enfermagem atravessa uma encruzilhada em vários aspectos. Várias decisões estão a ser tomadas por diversos agentes com poder no terreno educacional e que afectarão o caminho a seguir no ensino da nossa profissão. Como exemplos temos, as reformas do Ensino Superior com vista à integração no Espaço Europeu de Ensino Superior, a Fusão de várias Escolas Superiores de Enfermagem que não estavam enquadradas nem no sistema Politécnico nem no sistema Universitário, a pressão exercida no mercado da formação e na empregabilidade em Enfermagem pela abertura nos anos recentes de vários cursos de Licenciatura em Enfermagem em instituições privadas, o reposicionamento académico em virtude do reconhecimento da Enfermagem enquanto disciplina científica.

Assim, achamos oportuno perceber qual as preocupações e posições da estrutura que representa os estudantes de Enfermagem em Portugal, a Federação Nacional de Estudantes de Enfermagem (FNAEE), através do seu Presidente de Direcção Raul Fernandes. Desde já agradecemos a sua disponibilidade.

 Raul Fernades, Presidente da Direcção da FNAEE

FE- Está há pouco tempo à frente da FNAEE, qual a sua primeira impressão acerca da FNAEE e da sua missão actual?

FNAEE – Apesar de apenas no mandato 2005/2006 ter assumido a Presidência da FNAEE, na verdade já estou no movimento associativo estudantil quase há quatro anos, o que num contexto de uma licenciatura em Enfermagem acaba por ser bastante tempo. Em todo este período, quer como membro da Assembleia Geral, quer como membro da Direcção, vejo na FNAEE uma das estruturas estudantis de âmbito nacional do Ensino Superior com maior capacidade de organização e trabalho. Para além de ser a única estrutura federativa a nível nacional que representa apenas um curso e não perde peso ou reconhecimento social por isso. A missão da FNAEE abrange, neste momento, um leque muito variado de campos de intervenção, nomeadamente a política educativa (onde se insere Bolonha, a reestruturação da rede de escolas de enfermagem ou a qualidade da formação), a promoção de actividades para aproximação aos estudantes e respectivas associações (como o ENEE, o FNEE, o Jornal FNAEE Actual e as recentes Olimpíadas de Enfermagem), a representação internacional e o trabalho interno em conjunto com as Associações de Estudantes federadas.

FE – Que preocupações lhe provoca o Processo de Bolonha no âmbito do Ensino da Enfermagem?

FNAEE – Preocupa-me seriamente a dificuldade de controlo de algumas vontades, mais preocupadas com interesses privados do que com a qualidade de formação de enfermeiros. Como já é sabido o Ministério lançou em Janeiro de 2006, dois ante-projectos de lei que visam enquadrar os aspectos de ingresso ao Ensino Superior e respectivos Graus Académicos e Diplomas. Estes documentos englobam uma espada de dois gumes. Em primeiro lugar, e bem, entregam às Instituições a autonomia para decidir quando e como querem efectuar a reestruturação dos cursos. Deixam ainda espaço para que determinados cursos possam manter a mesma duração de ciclos. Contudo abrem espaço para que se possam criar, por exemplo cursos diferentes de enfermagem. Ou seja se uma Escola em Lisboa considerar que a licenciatura corresponde a 3 anos e uma Escola em Coimbra decidir que são 4 anos, caso o Ministério aceite os dois cursos, teremos dois tipos de licenciados e um problema para a Ordem. Preocupa-me ainda que Bolonha seja apenas visto no que à duração dos ciclos diz respeito. Na verdade existe toda uma nova filosofia de ensino/aprendizagem que não é comum e que não vai cair do céu como aparentemente caíram a duração dos ciclos. Esta filosofia coloca o estudante como elemento central no processo de aprendizagem e está nas mãos dos actuais docentes de enfermagem ensinarem esse caminho. Infelizmente duvido que todos o saibam. Não quero desvalorizar a qualidade do corpo de docentes que possuímos, mas é importante reconhecermos onde estão as fraquezas para procurar as soluções. Cabe às diversas Instituições de ensino este papel.

FE – Com a fusão das Escolas Públicas de Enfermagem em 3 diferentes para cada cidade, Lisboa, Coimbra e Porto, o que lhe sugere o facto de existirem ESEnf’s possivelmente enquadradas na Universidade e outras nos Institutos Politécnicos enquanto parte integrante de Escolas Superiores de Saúde?

FNAEE – Isso já acontece actualmente. Temos já escolas nos diversos subsistemas e possuímos ainda as não integradas, como é o caso de Lisboa, Porto e Coimbra. Qualquer um destes processos (Fusão e Integração num subsistema) era inevitável e arriscaria mesmo a dizer indispensável para as próprias Escolas. Numa altura em que a harmonização do Ensino Superior é uma pasta fundamental nos gabinetes governamentais de toda a Europa era ridículo acreditarmos que iríamos continuar alheios a tudo que nem ilhas no oceano. A razão pela qual acredito que este processo pode trazer grandes benefícios a nossa profissão e ciência prende-se com a necessidade óbvia das Escolas, docentes e estudantes largarem posições comodistas ou acomodadas para conquistarem novos postos, papéis e estatutos. É um desafio que já trouxe benefícios, claramente visíveis no aumento exponencial do número de doutorados em ciências de enfermagem.

Já no diz respeito ao associativismo estudantil a situação é muito diferente. A Fusão das Escolas de Lisboa, Porto e Coimbra provocará a transformação de nove associações de estudantes em apenas três. A Integração em Universidade e respectivas associações académicas origina núcleos de estudantes de enfermagem, que muitas vezes não têm financiamento, nem capacidade de motivação para fazer associativismo. A Integração em Politécnicos com a transformação em Escolas Superiores de Saúde pode colocar estudantes de outros cursos a defender posições de estudantes de enfermagem. O associativismo estudantil em enfermagem está em risco.

FE – Estaremos em presença de tratamento desigual para alunos da Licenciatura de Enfermagem, nomeadamente no que á acção social concerne?

FNAEE – É provável que possam ocorrer situações desse tipo. Mas é nessas alturas que os estudantes, ou outros envolvidos devem dar uso às suas associações de estudantes, ou a FNAEE, para que essas desigualdades sejam corrigidas. É importante perceber que vivemos numa sociedade democrática e eu continuo a acreditar na boa fé e sensibilidade de quem possui cargos de liderança para resolver estas desigualdades.

FE – E em questão de conflitos entre estudantes, não há aqui um risco?

FNAEE – Duvido que sejam os estudantes que vão originar conflitos. Não podemos esquecer o carácter transitório dos estudantes, principalmente com as taxas de sucesso que o nosso curso tem. Ao fim de quatro anos os estudantes mudaram todos e os possíveis conflitos saíram com quem os criou. Já com os funcionários das diversas escolas, principalmente docentes, a questão pode ter mais cabimento. Afinal, se um doutorado em ciências de enfermagem a leccionar numa Universidade lhe seja reconhecida capacidade para orientar teses de doutoramento, e outro doutorado a leccionar num Instituto Politécnico não, temos um sério conflito.

FE – Qual a posição da FNAEE em termos de associativismo internacional, nomeadamente a nível europeu? Existem ligações externas?

FNAEE – Sim, existem ligações externas. A FNAEE faz parte do Grupo Europeu de Estudantes de Enfermagem (ENSG) que reúne uma vez por ano. A última reunião ocorreu em Julho de 2005, em Londres e a FNAEE esteve presente apresentando várias propostas que surpreenderam a maior parte dos participantes. Neste sentido, na eleição do Comité Executivo (que funcionou este ano pela primeira vez) Portugal foi eleito juntamente com o Reino Unido e a Irlanda, de entre onze países candidatos. Com esta eleição, a FNAEE, sendo representada por mim, iniciou o trabalho neste Comité Executivo com o objectivo de legalizar este grupo europeu. Em Setembro já estivemos reunidos em Atenas, juntamente com a Assembleia-Geral da Federação Europeia de Associações de Enfermeiros (EFN) da qual faz parte a nossa Ordem, e no restante tempo temos mantido um trabalho baseado em meios electrónicos. Tem sido um trabalho muito profícuo mas com uma gestão financeira difícil, dado que a FNAEE é a única estrutura estudantil europeia ao nível de Enfermagem que tem gestão e meios financeiros próprios – bem mais escassos que as outras estruturas europeias financiadas por associações profissionais (semelhantes aos nossos sindicatos e ordem profissional).

FE – Temos vindo a assistir a um crescimento dramático do ENEE, ao ponto de ser um negócio muito rentável para as associações que o organizam. Qual a posição da FNAEE quanto ao futuro dos ENEE?

FNAEE – A FNAEE mantém-se como a principal promotora do ENEE e continua a ser quem garante a manutenção e incremento da sua qualidade. Em Assembleia-geral da FNAEE tudo é discutido e analisado e por esse motivo a qualidade tem aumentado de ano para ano, bem como o número de participantes. Nesta altura, a organização de um ENEE envolve orçamentos de centenas de milhares de euros e uma capacidade organizativa impressionante. Estes orçamentos podem trazer um retorno financeiro considerável, mas podem também hipotecar irremediavelmente a continuidade da associação organizadora. Neste sentido não encontro problemas que uma CO-ENEE competente, receba um justo retorno financeiro permitindo um incremento na qualidade do seu trabalho associativo. O futuro do ENEE está invariavelmente ligado ao futuro da FNAEE. Quando o controlo que referi em cima desaparecer o ENEE vai-se desvirtuar e em poucos anos diluir-se num qualquer festival de verão.

FE – Qual a sua posição acerca da proliferação de novas Instituições de formação inicial de Enfermeiros? Que relação podem ter com o tão falado risco de desemprego na Enfermagem? É este desemprego real ou virtual?

FNAEE – O risco de desemprego é ambíguo, pois pode tornar-se uma oportunidade de evoluir se os enfermeiros souberem empreender e criar novos postos de trabalho fora da função pública. Acredito que estamos num momento de viragem, que pode ser para melhor ou para pior, e cabe aos enfermeiros decidir para que lado querem evoluir. O risco de desemprego é real, mas não é só isso que me preocupa. A proliferação de cursos de enfermagem em Portugal e o consequente aumento do número de estudantes tem provocado uma diminuição dos campos de ensino clínico (vulgo estágios) e a quantidade e qualidade de oportunidades de aprendizagem para os estudantes nestes ensinos. Estas perdas vão originar uma pior formação e logo recém-licenciados menos competentes.