A aparente simplicidade da sua execução oculta um grande número de variáveis teóricas e de situações práticas que se podem colocar diante de quem a executa
INTRODUÇÃO
A algaliação é uma das técnicas que os enfermeiros executam mais amiúde. A sua técnica básica é algo que está perfeitamente padronizada e aceite, tendo sido já suficientemente discutida. No entanto, a sua execução correcta não garante por si o sucesso da algaliação em muitos dos casos uma vez que este procedimento não é linear . A aparente simplicidade da sua execução oculta um grande número de variáveis teóricas e de situações práticas que se podem colocar diante de quem a executa. Foi para debelar e ultrapassar algumas situações mais difíceis e delicadas que a enfermagem foi desenvolvendo e adoptando técnicas e saberes acessórios que permitem obter o sucesso em algaliações complicadas e gerir com eficácia muitas das complicações associadas a esta prática. Esses saberes não se encontram explanados na bibliografia sendo portanto um dos desideratos deste artigo o de cristalizar alguns desses saberes. Uma versão alargada deste artigo pode ser encontrada na revista Nursing nº193.
TUDO É DIFERENTE!
Embora os princípios básicos sejam os mesmos existem diferenças acerca dos métodos usados na algaliação mediante se trate de um paciente do sexo masculino ou feminino. O procedimento realizado em doentes do sexo feminino geralmente não oferece contrariedades face ao trajecto curto e recto da uretra. O mesmo já não se passa com utentes do sexo masculino, uma vez que nestes a uretra tem uma longitude maior, oferecendo angulações e zonas em que diversos processos patológicos ou fisiológicos podem provocar apertos uretrais dificultando assim a passagem de uma sonda vesical.
O TAMANHO CONTA!
O tamanho neste caso é importante!. Nas mulheres o tamanho trivial é o 14Fr e para os homens é o 16Fr. No entanto o tamanho pode variar consoante existam estenoses uretrais ou coágulos a serem drenados. Muitas vezes existe o falso conceito de que uma sonda fina passa com mais facilidade por uma região com aperto do que uma mais calibrosa. Por outro lado, se queremos usar uma sonda de baixo calibre devemos optar por uma sonda semi-rígida a não ser que tenhamos a garantia de uma uretra livre de obstruções. Lembre-se também que o potencial de desenvolver espasmos vesicais ou intolerância à sonda é maior com sondas mais calibrosas.
ESCOLHA O TIPO DE SONDA ADEQUADA
A sonda vesical escolhida tem de estar consonante com o objectivo da algaliação. Para algaliações temporárias a sonda de látex é a indicada, podendo permanecer no local por 7 dias. No entanto ela tem um potencial alérgico acrescido. As sondas de silicone são uma alternativa mais onerosa mas apresentam uma vida de 3 meses, são mais rígidas do que as de látex negociando a sua passagem por zonas estreitas mais facilmente do que estas. As de PVC são semi-rígidas e usualmente usadas para algaliações intermitentes ou manobras especiais. As sondas de uma só via como as de Béquille não têm sistema de auto-retenção necessitando de fixação externa. Para sondas do mesmo calibre, as de 2 vias apresentam uma via de drenagem com maior diâmetro do que as de 3 vias uma vez que não partilham a secção total da sonda com a via de irrigação. As sondas com ponta angulada ditas de Coudé ( Delinotte, Béquille, Tiemann) são úteis para casos de estenose e aperto da uretra prostática. Devem ser introduzidas com a extremidade orientada superiormente, podendo no ponto de resistência proceder-se a rotações bilaterais de 90º. As sondas hematúricas devem esse nome ao facto de possuírem uma ponta biselada (de Couvellaire) permitindo a passagem de fragmentos e coágulos e concomitantemente a sua aspiração com uma seringa de alimentação contanto para isso com uma estrutura que impede o colapso quando se aplica uma pressão negativa. As sondas de Gouverneur são multiperfuradas e têm a sua utilidade na evacuação de múltiplos coágulos intravesicais. As de Foley têm orifícios terminais, sendo usadas nas situações triviais que bem conhecemos; não é própria para lavagens vesicais ou hematúrias.
Sonda Hematúrica de três vias (notar a ponta em bisel, para maior facilidade na aspiração de coágulos ou outro material)
Sonda de Foley de Silicone (superior) e Sonda de Béquille (inferior)
Gouverneur (para lavagens vesicais, notar os vários orificios)
Sonda de Tiemann: notar a ponta curva olivar e a presença de balão.
DECIDA COM PONDERAÇÃO
A decisão de algaliar deve ser encarada como um recurso. Deve ser ponderada a sua utilização de um modo judicioso e quando os métodos não invasivos falharam. Usa-se principalmente em casos de retenção urinária renitente aos métodos tradicionais, em hematúrias marcadas e em último recurso em incontinência urinária.
NÃO DESCURE A LUBRIFICAÇÃO
A lubrificação da uretra é um passo que muitas vezes é efectuado de um modo incorrecto. Uma boa lubrificação minora os danos caudas pela algaliação e favorece uma introdução mais fácil e indolor. Deve-se usar gel urológico, que tem na sua constituição um anestésico que permite , para além da anestesia um relaxamento da uretra. Deve-se instilar o gel na uretra e não colocá-lo apenas sobre a sonda . Deve-se aguardar alguns minutos clampando-se a glande manualmente ou com um clampe peniano a fim de que o componente anestésico surta efeito. A vaselina, para além de ser um método atávico é desaconselhada uma vez que forma ”grumos” que podem obstruir os orifícios terminais de drenagem.
SIGA A TÉCNICA
O cumprimento dos princípios básicos da técnica padrão é uma regra incontornável uma vez que só assim se procede com a assepsia necessária, objectivo primário da mesma. No entanto ela pode ser adaptada às condições existentes.
A SONDA NÃO É UMA BROCA
Esta é uma das máximas de urologia mais importantes. A algaliação é acima de tudo um exercício de paciência e sensibilidade. A sonda não deve ser introduzida à custa de força. Algaliações traumáticas resultam em falsos trajectos (que impossibilitam algaliações subsequentes), estenoses da uretra, infecções etc., com consequências desastrosas para o doente. Se a sonda oferece resistência à introdução, recue-a um pouco e volte a tentar. Primeiro de tudo, segure a sonda correctamente:. Tente ler a anatomia da uretra através da algália interpretando todas as resistências encontradas. Oriente o pénis do paciente perpendicularmente ao corpo e exerça franca tracção na tentativa de retilinizar a uretra e posteriormente curve-o na direcção caudal. Relaxe o paciente. Tente efectuar movimentos de rotação com a sonda. Se não conseguir algaliar, tente com uma sonda mais pequena, ou com uma sonda de Béquille. Em alternativa chame outra pessoa mais habilitada: isto não é sinal de falta de perícia, antes de sensatez. Anote o ponto em que sente resistência: isto indicará se estamos perante uma hiperplasia da próstata , uma estenose uretral ou uma resistência ao nível do colo da bexiga. Muitas vezes o problema está na zona prostática, e a sonda não se consegue orientar convenientemente no ângulo de transição entre a uretra prostática e membranosa. Palpe o períneo e tente sentir a ponta da sonda e verifique se esta não está desviada do percurso normal.. Se o problema for uma estenose uretral, insira uma sonda Béquille de pequeno diâmetro (8 FR) e deixe-a permanecer alguns minutos no local. Substitua-a por outra de tamanho acima e assim sucessivamente até um tamanho funcional. Se o doente já está algaliado, tem um historial de algaliações difíceis e o intuito é substituir a algália, reduza ao mínimo o tempo entre a retirada da sonda antiga e a inserção da nova sonda para que o trajecto tutorizado pela sonda anterior não se oclua ou diminua de diâmetro. Se apesar destes esforços a algaliação não é exequível, considere a algaliação impossível; provavelmente o é verdadeiramente.
ATENÇÃO AO BALÃO
Um dos erros comuns é interromper a progressão da sonda vesical logo após refluxo de urina. Por vezes, isto acontece quando o balão ainda está na uretra. Insuflando-o nesta posição, para além de uma dor apreciável que o doente experimenta de imediato, provoca mau funcionamento da sonda e traumatismo local. Se isto suceder, nunca devemos retirar a sonda e tentar introduzi-la novamente pois o edema intempestivo que se instalará impede a passagem de qualquer sonda mas antes proceder à sua introdução total na bexiga após esvaziar o balão. Para prevenir situações destas, deve-se introduzir a sonda completamente na bexiga. .Nunca use soro fisiológico pois este forma cristais que obstruem a via do balão e impedem o seu posterior esvaziamento; utilize água destilada ou mesmo ar. No caso de um balão que não esvazia, nunca se deve cortar a sonda pela zona de bifurcação suspeitando-se de uma válvula que não funciona pois desta maneira se impede toda e qualquer acção sobre este e em alguns casos a sonda pode-se recolher totalmente dentro da uretra ou vesicalmente. Primeiramente deve-se verificar se não existe nada que cause o estrangulamento da sonda. Instilar cerca de 5cc rapidamente pode ser útil para remover pequenos cristais incrustados nas paredes da via do balão. Em alguns casos pode-se cortar a extensão da válvula se aqui residir a sede do problema. Em alternativa pode-se encher o balão até um volume que cause a sua ruptura ou introduzir um fino fio-guia pela via do balão até causar a sua ruptura.
NÃO SE ESQUEÇA DA ALGALIAÇÃO!
Pelo facto de uma algaliação ser bem sucedida, isso não significa que o risco de complicações se esgota ou que aí acaba a atenção do enfermeiro. De facto, algumas delas começam imediatamente após o seu términos. Uma delas é o esquecimento vulgar de não colocar o prepúcio na sua posição original. Isto pode ocasionar uma situação denominada parafimose. A algália pode ser conectada a um saco colector ou ser clampada. A clampagem é uma medida mais cómoda para o doente independente, não sendo porém possível em algumas situações como hematúria, monitorização contínua da diurese, etc. O saco de urina deve estar sempre abaixo do nível da uretra e se possível estar munido de uma válvula anti-refluxo. No caso de não haver drenagem de urina poderão ser aventadas várias hipóteses: A tuboladura poderá estar dobrada (Kinking), a sonda obstruída por coágulos ou outro material como sedimento (alguns advogam a toma de suplementos de vitamina C para acidificar a urina) podendo-se neste caso instilar-se pela via de drenagem 50cc de SF recorrendo a uma seringa de alimentação, poderá existir mau posicionamento da sonda, resolvido pela sua mobilização ou simplesmente podemos estar perante uma situação de anúria. Para despistagem da exteriorização parcial da sonda devemos averiguar se a porção exteriorizada da sonda não aumentou, o que poderia indicar uma desinsuflação expontânea do balão e consequente migração dos orifícios de drenagem para a uretra ou colo vesical onde a drenagem não é eficaz. A Infecção em indivíduos algaliados é muito frequente e será utópico almejarmos uma urina estéril nestes doentes. O risco de infecção é de 3,5%/dia ou seja passados menos de 30 dias os doentes invariavelmente apresentam sinais francos ou discretos de infecção . A hidratação oral abundante pode protelar esta situação. E não se esqueça de verificar o padrão miccional após retirar a sonda vesical.
CONCLUSÃO
A algaliação, como ficou demonstrado não é uma técnica linear, apresentando muitas nuances e variáveis. È importante que nós, enfermeiro saibamos abordá-las com idoneidade e competência, com rigor científico e com uma atitude esclarecida. A execução de uma algaliação não se pode cingir à repetição de uma norma, mesmo que correctamente executada. È imperativo a leitura das circunstâncias particulares de cada situação de modo a que se adoptem as decisões adequadas e se proceda tecnicamente em conformidade com cada caso. Boas algaliações!
BIBLIOGRAFIA
Walsh, P. C. et al.: Campbell´s Urology, 5ª edição. Philadelphia, W. B. Saunders Company, 1985.