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Material de Penso – I Parte

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O desenvolvimento científico no âmbito das ciências médicas verificado nos últimos anos contribuiu de forma significativa para o conhecimento da fisiologia da cicatrização. Aliado a esse conhecimento, e ao desenvolvimento tecnológico, começaram a surgir na década de 80 materiais de penso de especificidade crescente.

Assim, presentemente estão disponíveis uma grande diversidade de pensos, cujas características permitem prevenir e tratar diferentes tipologias de feridas.

Constitui pois, um desafio permanente para os profissionais de saúde, seleccionar o material de penso mais custo-efectivo adequado aos diferentes tipos de feridas a tratar, tornando-se imperativo, o conhecer das propriedades dos diversos tipos de material de penso actualmente disponíveis no mercado.

Nesse âmbito este artigo tem por objectivo sistematizar, classificar e caracterizar os materiais de penso actualmente disponíveis.

Breve perspectiva histórica…

O recuo na história permite verificar que o registo mais antigo de um penso data de 1.700 a.c. e refere como curativos – graxa, mel, fios de linho para sutura, carne fresca e óleo fervente.
Desde então, o empirismo ao serviço da medicina levou à aplicação das mais variadas substâncias de origem animal, vegetal e mineral em lesões cutâneas – resina, mel, açúcar, malaquite, vinagre, terbintina, gema de ovo, etc.
Nos anos 60, o clássico trabalho de George D. Winter, (publicado em 1962), revolucionou esses conceitos tradicionais e empíricos no tratamento de feridas ao demonstrar que feridas de porcos com perda parcial de tecido, cobertas com filme de polietileno, evitavam a formação de crosta e mantinham o leito húmido, epitelizando quase duas vezes mais rapidamente do que aquelas mantidas em exposição ao ar, ou seja, secas.

Essa percepção mudou o rumo do desenvolvimento do material de penso, sendo que esse deixou de constituir apenas uma barreira mecânica protectora, passando então a estabelecer interacção com a ferida e por isso actualmente muitas vezes designado por Material de Penso Interactivo.
Assim, a após alguns anos decorridos desde as experiências de Winter e de muitos estudos experimentais efectuados chegou-se ao consenso de que um ambiente húmido e uma temperatura amena na superfície da ferida são factores essenciais ao processo de cicatrização.

E foi precisamente com base nesses estudos que Turner, em 1982, estabeleceu as principais características que um penso deve possuir de forma a tratar uma lesão:

1. Manter o ambiente húmido na interface ferida/penso;
2. Remover o excesso de exsudado e componentes tóxicos;
3. Permitir trocas gasosas;
4. Manter a temperatura a 37ºC, permitindo a actividade dos macrófagos e a mitose durante a granulação e epitelização;
5. Ser impermeável às bactérias;
6. Permitir a remoção sem causar traumatismos;
7. Ser isento de partículas tóxicas.

Além desses, outros aspectos devem ainda ser considerados como sejam:

Esterilidade;
Conforto para o doente;
Capacidade de adesão à pele circundante;
Protecção contra o trauma;
Disponibilidade;
Variedade de tamanhos;
Resistência à manipulação e humidade;
Conformação e flexibilidade;
Facilidade de manuseio;
Custo-efetividade.

Estando disponíveis na actualidade diversos materiais de penso que obedecem as esses pressupostos.

Caracterização e Sistematização do Material de Penso

A crescente emergência de novos materiais de penso torna necessária a sua sistematização de forma a facilitar uma selecção racional. Dessa forma, e atendendo às características desses pensos, podem ser classificados em:

Caixa de texto: •	Material Absorvente  •	Material Desbridante  •	Material Impregnado  •	Promotores da Cicatrização  •	Filmes

Material Absorvente

Como o próprio nome indica estes pensos caracterizam-se primariamente pela sua capacidade de absorção e/ou gestão dos exsudados. Dentro deste grupo podem-se incluir:

Alginatos

Os alginatos são constituídos por fibras derivadas do ácido algínico, extraído a partir algas marinhas da espécie Laminaria.

Quando colocados na ferida, actuam por troca iónica entre os iões cálcio presentes no penso e os iões sódio dos tecidos, processo esse, associado à absorção do exsudado por capilaridade. Em contacto com o exsudado o alginato transforma-se num gel viscoso criando um ambiente húmido na superfície da ferida, o qual favorece a sua cicatrização, alivia a dor (por humedecimento das terminações nervosas evitando assim uma propagação de estímulos de grande intensidade), facilita o desbridamento autolitico do tecido necrosado e permite ainda as trocas gasosas.

Por esse motivo os alginatos estão indicados em feridas altamente exsudativas infectadas ou não, nomeadamente úlceras de pressão e da perna (venosas e/ou arteriais), queimaduras do 1.º e 2.º graus e ainda zonas de enxertos.

Apresentam-se sob a forma de apósitos (ver Figura 1) de diversas dimensões e sob a forma de tiras (ver Figura 2) para feridas estreitas e profundas.
Para fixação ao local da ferida requerem a aplicação de um penso secundário (ver Figura 3 A, B e C).
O tempo de permanência na ferida é variável podendo ir de 1 a 7 dias, sendo que a sua mudança está dependente da quantidade de exsudado.

Aginatos comercializados: Algisite M® (Smith & Nephew); Askina® Sorb (B.Braun); Askina® Sorbsan Plus (B.Braun); Kaltostat® (Convatec); Sorbalgon® (Hartmann); Suprasorb A® (Novamed); 3M Tegagen (3M).

Figura 1 – Apósito de alginato de sódio.

Figura 2 – Tira de alginato de sódio.

Figura 3 – Aplicação de um apósito de alginato.

Hidrofibras

Compostas por fibras de carboximetilcelulose, caracterizam-se por apresentarem um mecanismo de absorção vertical, sendo o exsudado absorvido para o interior da fibra, a qual se transforma num gel criando dessa forma, uma ambiente húmido favorável ao processo cicatricial, sem no entanto macerar a pele circundante à ferida.

A sua capacidade de absorção é bastante elevada sendo cerca de 25 vezes superior ao seu peso. Esse factor faz com que as hidrofibras estejam indicadas em feridas muito exsudativas, tais como úlceras de pressão ou vasculares, abrasões e lacerações, incisões, zonas dadoras de enxertos e queimaduras do 1 e 2.ª graus.

À semelhança dos alginatos requerem um penso secundário para fixação à zona lesionada e existem sob a forma de apósitos (de diferentes dimensões) e tiras.

A frequência de mudança é em função da quantidade de exsudado (ou situações clínicas especificas), podendo permanecer na ferida de 1 a 7 dias. Ocasionalmente poderá ser necessário irrigar a ferida com uma solução salina para remover algum gel residual sem danificar o tecido de granulação.

Hidrofibras comercializadas: Aquacel® (Convatec)

Hidrocolóides

São constituídos geralmente por duas camadas, uma interna (que contacta directamente com a ferida), composta por substâncias hidrofilicas – carboximetilcelulose, pectinas, gelatina – e uma externa à base de espuma ou filme de poliuretano, oclusiva ou semipermeável (dependendo da marca comercial) aos gases, líquidos e bactérias.

Em contanto com o exsudado da ferida, este é absorvido formando um gel que se expande paulatinamente em direcção ao leito da lesão, aplicando firme pressão sobre sua base, especialmente em feridas mais profundas, estimulando assim a produção de tecido de granulação. Além disso, promovem o desbridamento do tecido necrótico e auxiliam na remoção dos componentes tóxicos provenientes da destruição celular e bacteriana, actuando na limpeza por autólise. De salientar que o gel formado apresenta um cheiro característico, normalmente desagradável.

Nesse seguimento, têm várias indicações, profiláticas e terapêuticas, que vão desde as lesões em estadios iniciais até aos mais avançados, com baixa a moderada quantidade de exsudado. Assim, podem ser utilizados em úlceras de pressão, vasculares ou diabéticas.

Estão no entanto contra-indicados em feridas infectadas e naquelas com exposição de tendões ou ossos.

Existem comercializados sob a forma de apósitos (ver Figura 4) de dimensões várias e com diferentes formas anatómicas adaptadas a zonas corporais específicas (ex. sagrada) com ou sem rebordo e ainda, de pastas especialmente indicadas para feridas cavitárias.

Desenvolvimentos recentes apresentam materiais de penso hidrocolóides associados a alginatos, permitindo a sua utilização em feridas muito exsudativas.

A aplicação destes pensos é fácil, podendo permanecer na ferida de 1 a 7 dias, dependendo da quantidade de exsudado. Na altura da remoção essa facilidade mantém-se, sendo atraumáticos.

Hidrocoloides comercializados: Askina Hydro® (B.Braun); Askina® Biofilm Paste (B.Braun); Hydrocoll® (Hartmann); Suprasorb® H (Novamed); Varihesive® Gel control (Convatec); Varihesive® Pasta (Convatec).

Figura 4 – Apósito de hidrocolóide.

Espumas

Fisicamente apresentam-se com estruturas multilaminares. A camada mais interna, que contacta directamente com a superfície da ferida, é adesiva e perfurada, a camada intermédia é composta por uma espuma hidrocelular à base de substâncias hidrofílicas com capacidade de absorção de exsudados, e finalmente a camada mais externa é à base de poliuretano sendo impermeável às bactérias mas permeável ao vapor de água e ao oxigénio.

As espumas mantêm o isolamento térmico, mantêm um ambiente húmido e são confortáveis para o doente.

Estão indicadas como penso primário em feridas pouco a moderadamente exsudativas, em especial com tecido de epitelização e/ou granulação, e como penso secundário em feridas cavitárias previamente preenchidas com outro material de penso (pasta, pó, gel) destinado a tratar infecções ou tecido necrosado.

Apresentam-se sob a forma de apósitos com ou sem rebordo (ver Figura 5), com diferentes formas anatómicas adaptadas à região do calcâneo ou à região sagrada (ver Figura 6) ou em “estruturas esféricas” para feridas cavitárias profundas (ver Figura 7).

As espumas de poliuretano podem permanecer na ferida até um máximo de 7 dias, sendo que a frequência de mudança está dependente da quantidade de exsudado.

Espumas comercializadas: Allevyn® (Smith & Nephew); Allevyn® Cavity Circular (Smith & Nephew); PermaFoam® (Hartmann); Suprasorb® P (Novamed); Tielle® (Johnson & Johson); 3M Foam (3M).

Figura 5 – Apósito de poliuretano com rebordo.

Figura 6 – Apósito de poliuretano anatomicamente adaptado à região sagrada.

Figura 7 – Pliuretano “Cavity” para feridas cavitárias.

Carvão Activado

Os apósitos de carvão activado são constituídos por duas camadas (interna e externa) de tecido não tecido no interior das quais existe uma camada intermédia de carvão activado. Este caracteriza-se por apresentar uma elevada capacidade de desodorização uma vez que adsorve à sua superfície as moléculas responsáveis pelo mau cheiro. Para além dessas moléculas, absorve água, bactérias e outros componentes presentes no exsudado.

Essas propriedades fazem com que estes apósitos estejam indicados em feridas com mau odor, infectadas ou com quantidade moderada de exsudados nomeadamente úlceras de pressão e de perna (de origem vasculares ou diabética), bem como em feridas oncológicas.

No caso de feridas pouco exsudativas o penso pode aderir à pele pelo que, pode ser aplicado hidrogel na ferida previamente à aplicação do penso.

Para que o carvão permaneça activo durante mais tempo alguns pensos associam ao carvão activado alginatos e carboximetilcelulose (ex. Carboflex®) para absorção de exsudados. Outros pensos associam ao carvão activado prata, a qual tem propriedades bactericidas (Actisorb Silver®).

Estes apósitos não devem ser cortados, devido ao risco de dispersam das partículas de carvão na ferida constituindo corpos estranhos.

Requerem um penso secundário e a sua mudança deve ser diária em feridas infectadas, podendo permanecer mais tempo nos casos e feridas pouco exsudativas.

Apósitos de Carvão Activado comercializados: Askina Carbosorb® (B.Braun); Vliwaktiv® (Novamed).

Bibliografia Consultada:

• Dealey, C.. The Care of wounds. A guide for nurses. Blackwell.1996.
• Flanagan, M.. Wound manegment. Churchill Linvingstone. 1.ed. 1997.
• Folhetos Informativos do Materiais de Penso.
• Informação disponibilizada pelos laboratórios farmacêuticos fornecedores do Material de Penso.
• Subgrupo Hospitalar Capuchos/Desterro – Comissão de Controlo de Infecção Hospitalar. Grupo de Trabalho de úlceras de Pressão. Prevenção e Tratamento das Úlceras de Pressão. 2.ª ed.. 1999.
• Rocha, M.J.; Cunha, E.; Dinis, A.P. et all. Feridas – Uma Arte Secular. 1.ª. 2000.

A Parte II deste artigo será publicada oportunamente.

* Farmacêutica
Especialista em Farmácia Hospitalar
Técnica Superior de Saúde – Centro Hospitalar de Coimbra