Como disse Paulo Macedo há umas semanas, um seguro de saúde é complementar ao SNS e não uma alternativa
No passado dia 9, comemorou-se o Dia Internacional contra a Corrupção. Na Assembleia da República, no âmbito da Comissão de Inquérito à queda do Grupo Espírito Santo, Ricardo Salgado e o seu primo José Maria Ricciardi prestaram esclarecimentos aos deputados eleitos pelos portugueses, durante (14) largas horas. Ontem foi a vez de Pedro Queiroz Pereira e ainda faltam alguns nomes sonantes do processo, o que fará aumentar, ou pelo menos devia, a atenção de cada um de nós para o problema grave que estamos a viver no sector bancário.
Num grupo económico com longa história em Portugal (145 anos) e com um número de clientes superior a 2 milhões, há naturalmente muitas ideias de negócio de grande valor, as quais se traduziram em enormes ganhos para todos. A Espírito Santo Saúde (agora, Luz Saúde) é frequentemente apresentada como um caso de sucesso, sendo a Eng.ª Isabel Vaz a grande obreira desse colosso do sector privado da saúde.
Na semana passada, no programa Negócios da Semana (Sic-N), foram-nos dadas algumas pistas para perceber melhor o funcionamento do sector da saúde. Desde logo, foi interessante que José Gomes Ferreira, imediatamente após ter terminado a primeira interpelação a Isabel Vaz, tenha dito “os banqueiros deram cabo disto tudo”.
A CEO do grupo Luz Saúde considera que este sector é especial pela definição de modelo social. Em teoria, todos os portugueses têm direito ao acesso à saúde por via dos seus impostos, mas há cerca de 30% de cidadãos que acabam por ter outro sistema de saúde (levando a uma dupla cobertura). Há hoje em dia um fenómeno a que alguns chamam turismo de saúde, que faz com que, por exemplo, cidadãos angolanos venham tratar-se a Portugal. De 2007 a 2011 o sector privado em saúde cresceu 1 bilião de euros, pelo que faz sentido tentar perceber como vai ser o relacionamento no futuro entre Estado e sector privado.
JGF perguntou, e bem: “então ainda não tiveram tempo de fazer isso?!”; “vão matar-se uns aos outros”; Espero que Paulo Macedo tenha visto o programa!
Segundo o que foi dito, os seguros de saúde em Portugal continuam a crescer, e em face dos avanços tecnológicos na área da saúde, os custos respectivos têm aumentado consideravelmente. Por norma, quem tem lucro no nosso país é mal visto, e se isso acontecer na área da saúde, então nem se fala. As PPP da área da saúde conseguem reduzir os custos entre 15 a 20% quando comparadas com os hospitais geridos pelo Estado (embora defenda a regulação por participação; há áreas do sector público que estão sobre-dimensionadas). Há ainda a agravante das adjudicações directas às Misericórdias. Tem havido um ganho de cota do sector privado quando comparado com o sector público, levando nalguns casos, à desnatação deste.
Seria desonesto da minha parte se não reconhecesse na Eng.ª Isabel Vaz um invulgar sentido racional e empreendedor. Ainda assim, vale a pena fazer algumas considerações. Há uns anos, não muitos, a Ministra da Saúde de então, disse que o sector privado tinha mais lucro porque ficava com o “filet mignon” dos cuidados de saúde. Isso é ou não verdade? Por exemplo, as 3 PPP da grande Lisboa, estão estrategicamente colocadas “ao lado” de 3 grandes centros hospitalares públicos, ou tudo é mera coincidência? O Serviço Nacional de Saúde tem, para lá da sua missão de prestação de cuidados, um papel fundamental na formação de recursos humanos (o que tem uma redução na eficiência de cerca de 20%). No caso dos enfermeiros, em virtude do elevado número de escolas, essa questão não é tão flagrante, mas por exemplo, relativamente aos médicos é gritante o que está a acontecer: eu conheço pelo menos uma dezena de pessoas, de uma só especialidade e da mesma instituição, que logo após terem terminado a sua formação, rumaram ao grupo ESS (a custo zero). Alguns dirão que é a economia a funcionar. Eu digo que é concorrência desleal.
Eu não sei, por exemplo, quanto representa a massa salarial dos enfermeiros no sector privado. Como um todo, nós estamos a ser “melhor tratados” no sector público ou no sector privado? E a visibilidade da profissão? Será o sector privado mais médico-cêntrico que o sector público? E o respeito por determinados pressupostos da Enfermagem: justiça na contratação de efectivos, tempos de integração, dotações seguras, hierarquias, equipas multidisciplinares?
Não é correcto dizer-se que quem tem um seguro de saúde ou outro subsistema, tem uma dupla cobertura em saúde (paga duas vezes a mesma coisa). Como disse Paulo Macedo há umas semanas, um seguro de saúde é complementar ao SNS e não uma alternativa. Como todos sabemos, os seguros de saúde têm exclusões contratuais, e nesses casos, o cidadão só tem duas soluções: ou paga do seu bolso ou vai para um hospital público (o caso do Ébola, da Legionella e do serviço prestado pelo INEM ilustram o que estou a dizer). Também não é uma questão menor o pendor solidário do SNS: eu quero um “sistema” de saúde inclusivo e não outro. Se é verdade que há 2 milhões de portugueses com seguros de saúde, também é verdade que há 2,5 milhões que vivem abaixo do limiar da pobreza. E qual é o reverso da medalha da circunstância de cidadãos angolanos virem receber cuidados de saúde em Portugal? Vamos ficar indiferentes?
Na saúde, nem tudo é tecnologia. Ou por outras palavras, nem tudo se resolve com recurso ao mais inovador medicamento ou dispositivo. Qual tem sido a aposta do sector privado na prevenção? Ou será que não vale a pena investir em Saúde, porque o que garante lucros avultados é a Doença?
Em suma, faltou a JGF ter perguntado porque é que a Eng.ª Isabel Vaz não quis ser ministra da saúde, quando, de acordo com a comunicação social, teria sido a primeira escolha do Governo de Passos Coelho.
N.B.: vale a pena ter presente as declarações do Primeiro-ministro e do empresário Manuel Agonia, aquando da inauguração dos Hospitais Senhor do Bonfim:
PPC: “o sistema nacional de saúde está para além do Serviço Nacional de Saúde; o actual Governo salvou o Serviço Nacional de Saúde”;
MA: “a saúde tem de ser vista como um negócio”;
PPC: “e ele tem razão… a saúde tem de ser bem gerida”;