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Enfermeiros no Pré-Hospitalar

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Enfermagem no Pré-Hospitalar

Os Enfermeiros manifestam-se todos os dias, dentro e fora dos locais de trabalho, pelos direitos ao cuidado por parte dos Portugueses… porém estes terão agora de fazer a sua parte, exigindo melhores Enfermeiros e que estes possam exercer no máximo das suas competências e com condições mais adequadas… Porque quanto melhores condições tiverem… mais podem fazer pelos Portugueses…

A evolução da população e do país, associada à maior exigência do cidadão, tornou obrigatória a inclusão da visão e missão dos Enfermeiros nos cuidados com carácter de urgência/emergência no contexto pré-hospitalar, onde estão integrados em todos os níveis do SIEM( Sistema Integrado de Emergência Médica), em todas as organizações, dos Bombeiros à Cruz Vermelha, das Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (VMER) às Ambulâncias de Suporte Imediato de Vida (ASIV) , num modelo que pretende levar ao cidadão os melhores meios e não o seu contrário.

 Mas embora os meios que integrem sejam de naturezas distintas, o dia-a-dia do Enfermeiro no Pré-hospitalar(PH) contempla desafios comuns entre eles.

E quem são estes enfermeiros?

O Luís tem 32 anos e é enfermeiro, exercendo a sua actividade na área da enfermagem dedicada ao doente crítico, em contexto pré-hospitalar, numa ambulância SIV. Começou a sua actividade aos 22 anos, após 4 anos de Licenciatura em Enfermagem, numa Unidade de Cuidados Intensivos e após 4 anos concorreu ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), onde frequentou o curso providenciado pelo INEM, que complementou a sua formação e experiência profissional, para o exercício competente nesta área. Ainda não totalmente satisfeito com a sua aprendizagem frequentou e concluiu a especialidade em Enfermagem Médico-Cirúrgica, num total de 2 anos.

O Manuel é enfermeiro, tem 38 anos e trabalha no Serviço de Urgência (SU) assim como na VMER. Começou a exercer no serviço de Medicina aos 22 anos, onde esteve 6 anos tendo depois transitado para o Serviço de Urgência onde está há 10 anos. Há 4 anos foi pré-seleccionado para o Curso VMER tendo começado nesse mesmo ano. Tem a Pós-graduação em Emergência e Catástrofe e é formador de Suporte Avançado de Vida.

A Olga, de 35 anos, antes de ser enfermeira já era bombeira desde os 18 anos, tendo concluído o Curso de Enfermagem aos 24 anos. Exerce há 11 anos num Serviço de Urgência e tem a Especialidade de Enfermagem Médico-Cirúrgica e a pós graduação de Urgência/Emergência. Tem estado nos Bombeiros da autarquia da sua residência desde há 17 anos

O que os torna diferentes dos outros?

Além da sua formação inicial que os capacita para uma avaliação e intervenção nas necessidades básicas das pessoas, dos autocuidados ou de qualquer outra designação que queiramos atribuir à avaliação completa das pessoas com problemas reais ou potenciais de saúde, um enfermeiro que actue nesta área caracteriza-se por um elevado grau de conhecimento e competências direccionadas para o poder de diagnóstico, identificação rápida de padrões de sintomas e sinais assim como para a tomada de decisão imediata para prestar cuidados urgentemente necessários.

As suas áreas de intervenção vão desde a saúde do idoso, adulto ou criança à mulher grávida, vítima de acidente, a pessoas com problemas mentais, doentes oncológicos ou pessoas que acabaram de ter um AVC ou Enfarte do Miocárdio. Em todas elas se destaca o carácter de criticidade e necessidade de emergência de actuação. Porque “tempo é vida”!

O lidar com pessoas que ainda não têm um diagnóstico médico estabelecido, assim como um plano terapêutico definido, de pessoas que podem ter problemas que não são possíveis de esclarecer no momento, que estão a vivenciar toda uma situação nova potencialmente catastrófica, é gerador de grande stress para todos e em especial para os doentes e suas famílias exigindo grandes competências de comunicação e interacção pessoais.

O Enfermeiro de PH actua num meio totalmente desconhecido, com qualquer condição climatérica, em qualquer local, por mais antagónico e agressivo que seja e sem o suporte de uma vasta equipa, contando apenas com o seu parceiro, seja ele médico, bombeiro ou Técnico de ambulância.

Esta descrição acerca do Enfermeiro do PH é facilmente compreensível se observarmos uma situação potencialmente real, onde o romance não existe mas apenas pessoas, factos e Vidas que precisam de ser preservadas:

Imaginemos uma situação, num qualquer Verão bem quente, num qualquer lugar ermo, em que um grupo de caminhantes esteja a fazer um pouco de exercício nocturno mas não usem um colete reflector. Na mesma estrada, um pai (condutor) vem a acabar de enviar uma sms a dizer que vai chegar atrasado a casa e … perde o controlo do veículo atropelando várias pessoas do grupo. Alguém contacta o 112 e uma ambulância SIV é encaminhada para o local.

O Enfermeiro Luís vai juntamente com o Técnico de ambulância, mas a informação que tem é muito escassa, apenas sabendo que existem várias vítimas. Foram chamados por ser a Ambulância SIV mais próxima do local.

Com o que é que se depara?

Um cenário dantesco. Uma escuridão causada pela localização: uma curva numa estrada com pouquíssima iluminação, muitos gritos de desespero. À medida que explora o local encontra várias pessoas imóveis, umas sem vida, outras vivas mas muito instáveis além de outras pessoas chegadas ao local, umas apenas curiosas, outras a tentarem ajudar e outras a querer fazer justiça popular pelas próprias mãos ao condutor.

O que a pessoa comum pode confundir com frieza é apenas a tradução prática de todo o conhecimento acumulado com a sua formação e experiência profissional: Imediatamente, reconhecendo a incapacidade dos meios ao seu dispor (atitude responsável e correcta), contacta o CODU via telefone (Centro de Orientação de Doentes Urgentes ) a pedir mais apoio , num quadro de competências de coordenação de meios e inicia aquilo que é uma triagem de prioridades em catástrofe, tentando salvar as vidas que podem ser salvas.

Também aqui teve de usar as suas competências de comunicação e gestão de multidões, para ser capaz de criar condições para a sua actuação. É bastante comum a reacção de pânico e confusão por parte das pessoas que circundam este tipo de “acontecimentos” além de juízos de valor por estas criados, não compreendendo o tempo dispendido ao telefone, o facto de não reanimar as vitimas já mortas ou não ter iniciado imediatamente a prestação de cuidados directos.

O seu papel de coordenação começou a desenhar-se ainda mais quando apareceram as primeiras ambulâncias dos bombeiros, algumas felizmente tripuladas por bombeiros Enfermeiros, um dos quais a Enfermeira Olga, que tinha acabado de transportar um idoso de 89 anos ao Hospital, que residia sozinho com a esposa de 85 anos e que estava a ter um AVC, tendo recebido um alerta para deslocar-se de imediato para este local

Embora estando a sua actuação limitada pelo seu papel de bombeira, conferiu ao Enfermeiro Luis maior segurança na delegação de tarefas a efectuar e no estabelecimento de prioridades, nomeadamente ao apoiar em medidas de estabilização cervical e colocação de plano duro de forma a transportar os sobreviventes com maior segurança e prevenindo novas lesões.

O Enfermeiro Manuel, tinha acabado de chegar ao Hospital, com um doente que estaria a ter um Enfarte do Miocárdio, quando recebeu a chamada do CODU informando que já estaria uma ambulância SIV e uma ambulância dos bombeiros no local, mas que precisavam de mais meios.

Fazendo uso do curso de Condução Defensiva, chegou o mais rápido que pôde ao local, sem colocar mais ninguém em perigo e, assim que chegou, começou juntamente com o médico , a perceberem o que se estava a passar pela passagem de dados do Enfº Luis e Enfª Olga…  Iniciando então a assistência a várias das vítimas e posteriormente acompanhando uma das que estava em situação mais crítica para um Hospital próximo.

Assistir alguém amputado dum braço ou duma perna colocando rapidamente um  garrote ou infundir um soro rápido, assistir alguém que tem uma ferida grave no crâneo e face aspirando o sangue da boca e colocando máscara laríngea, ou nas pessoas sem sinais de vida apoiando a família no processo de luto são decisões difíceis mas suportadas sempre no princípio de salvar o máximo de vidas possíveis e na ciência que fornece os dados sobre os que mais poderão beneficiar da sua intervenção imediata.

No entanto, esta é apenas uma situação das muitas em que os Enfermeiros do pré-hospitalar estão envolvidos e em que as suas vidas se entrecruzam. Todos os dias estas situações são mais ou menos recorrentes e fazem parte do dia-a-dia dum qualquer Enfermeiro que esteja na área da emergência pré-hospitalar.

Aquilo que poderia ser considerado frieza era acima de tudo um conjunto de competências como controlo emocional em situações de crise, comunicação assertiva, gestão de conflitos e conhecimento dos meios de assistência, assim como identificação de focos de instabilidade e risco de falência orgânica, em situações de alta complexidade não só técnica mas humana. A simplicidade e aparente facilidade é tão só resultado de experiência, muito Estudo e muito profissionalismo.

Os Enfermeiros portugueses têm feito um grande esforço na sua formação e consequentemente na sua vida pessoal desde sempre mas que se acentuou nos últimos 15 anos. Autoimpuseram a necessidade de licenciatura e desde 2009 reconheceram oficialmente ser necessário ter uma formação ainda melhor, através da especialização em Cuidados ao Doente Crítico e no geral de todos os Enfermeiros caminharem para uma profissão em que todos sejam especialistas numa área do saber de Enfermagem.

Tudo isto traduz uma vontade de prestar cada vez melhores cuidados aos nossos doentes e suas famílias. No entanto os Enfermeiros ainda procuram o reconhecimento, pelo menos das suas competências por parte do Governo, aguardando a formalização da proposta da Ordem dos Enfermeiros quanto à Especialidade em Enfermagem na Pessoa em Situação Crítica, assim como o reconhecimento da sua actividade como Enfermeiros de pleno direito nos Bombeiros, por exemplo, potenciando o exercício total das suas competências garantindo assim ao cidadão o acesso à melhor qualidade possível da sua intervenção.

Porém,  este esforço em prol dos outros, não poderá ser eterno se não tiverem reconhecimento do seu trabalho. O seu desempenho excepcional não abre notícias, não desencadeia reuniões ao Domingo pelos Ministros, não dá azo a reportagens e não se organizam manifestações de utentes… Eles existem, apenas estão demasiado ocupados a fazer o seu trabalho e não têm tido tempo de se dedicarem a falar para a comunicação social!

Os Enfermeiros manifestam-se todos os dias, dentro e fora dos locais de trabalho, pelos direitos ao cuidado por parte dos Portugueses… porém estes terão agora de fazer a sua parte, exigindo melhores Enfermeiros e que estes possam exercer no máximo das suas competências e com condições mais adequadas… Porque quanto melhores condições tiverem… mais podem fazer pelos Portugueses…

É altura dos portugueses terem conhecimento e opinião clara acerca acerca do papel do Enfermeiro de Cuidados Críticos no sistema de emergência português (na comunicação social, no Parlamento, nas autarquias, nas associações de doentes, por ex)  e perceberem que lá por não se falar nos Enfermeiros, eles de facto Existem e FAZEM A DIFERENÇA

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