Olhando para a realidade da Enfermagem portuguesa parece evidente uma contradição entre as acções e o discurso do Ministro da Saúde. Não se pode tratar tão mal uma classe, e simultaneamente, considerá-la um dos pilares fundamentais do SNS.
Logo a seguir às últimas eleições legislativas, vi com bons olhos o facto de o Ministério da Saúde passar a ser liderado por alguém que não era profissional da área. Contudo, atendendo ao passado de Paulo Macedo no sector privado, nomeadamente como administrador da Médis, fiquei algo apreensivo em relação ao que viria a ser a sua governação.
Em Junho de 2013, o Expresso dava conta de uma sondagem que classificava o Ministro da Saúde como o melhor deste Governo. Em Dezembro, Helena Garrido admitia que Paulo Macedo tinha conseguido controlar a despesa na área da saúde, mas faltava saber se as reformas necessárias estavam a ser feitas.
Alguns episódios recentes, mostram-nos que o Serviço Nacional de Saúde não está a funcionar como nós desejaríamos. E atenção, eu faço parte daqueles que consideram que os recursos são finitos, sobretudo, estando Portugal a viver um período de assistência financeira.
Eu não acredito que o Hospital de S. João, o Hospital de Santo António ou o CHUC não pudessem receber o doente que veio de Chaves até ao Santa Maria, em Lisboa.
Episódios como o do doente que andou 262 km entre 5 hospitais (Coimbra, Santarém, Torres Novas, Abrantes e Tomar), ou da doente que teve de esperar 2 anos por uma colonoscopia (Amadora), ou do doente que só foi internado após 50 horas numa maca (Porto), ou do hospital que foi inaugurado sem estarem concluídas parte das obras relativas às acessibilidades (Loures), ou do doente que esteve 7 dias em jejum a aguardar por cirurgia urgente (Urgência Metropolitana – Lisboa), ou do doente (das Caldas) que viu recusada a sua admissão em UCI em 4 hospitais e acabou por morrer em Abrantes, ou do advogado que morreu (na Póvoa de Varzim) enquanto praticava desporto porque a chamada para o 112 demorou 15 minutos a ser atendida (a central de Braga há muito está identificada como problemática)… são inaceitáveis!
Têm razão António Ferreira (CHSJoão), Francisco George e Paulo Macedo, ao dizer que estamos a falar de casos pontuais?
Se há sector da sociedade onde o conceito de excepção assume uma dimensão especial, é na saúde. Se o melhor enfermeiro, do melhor serviço, do mais moderno hospital português, administrar um fármaco errado ao doente, pode, simplesmente, causar-lhe a morte. Pode ter sido o único erro ao longo da sua vida, mas vai causar um dano irreparável.
Julgo que seria mais sensato que algumas personalidades ligadas à Saúde, adoptassem outro tipo de discurso. Aliás, um pouco ao abrigo da lógica das regras da empresarialização dos hospitais, fica-se com a sensação que o Ministro e o Director Geral da Saúde sacodem a água do capote face ao que está a acontecer, tentando empurrar a culpa para os Conselhos de Administração das instituições envolvidas.
Olhando para a realidade da Enfermagem portuguesa parece evidente uma contradição entre as acções e o discurso do Ministro da Saúde. Não se pode tratar tão mal uma classe, e simultaneamente, considerá-la um dos pilares fundamentais do SNS. Quanto achará o Dr. Paulo Macedo que deve ser um salário digno para um enfermeiro?
O episódio dos 3,96€/hora na ARS de LVT é inqualificável. O mesmo se aplica às declarações de Cunha Ribeiro dizendo que “tinha de adjudicar a contratação de enfermeiros pelos valores mais baixos, em nome de uma boa gestão do dinheiro dos contribuintes”. Recordo que foi a mesma ARS que contratou uma consultora por 400 mil euros para fazer um trabalho que as outras ARS fizeram com os seus próprios meios. Também foi Cunha Ribeiro, por ajuste directo, que contratou Miguel Oliveira (e a esposa) para o assessorar.
Paulo Macedo não pode ficar indiferente à falta de equilíbrio entre capacidade formativa das escolas de Enfermagem e oportunidades de emprego em Portugal. Os números da emigração mostram que tem de juntar esforços com o Ministro do Ensino Superior para, pelo menos, controlar o problema. E se o país não precisa dos enfermeiros que se vão embora, o Governo deve assumir a responsabilidade pelo impacto que isso terá no futuro do país. Como é possível não admitir enfermeiros em muitas das instituições do SNS e continuar a haver SIGIC´s? E naquelas onde houve alguma contratação de efectivos, será que tem havido preocupação por garantir igualdade de oportunidades?
Ainda no último Expresso da Meia Noite em que participou, o Ministro mentiu aos portugueses. Na verdade, não há falta de anestesistas. Não podemos é permitir que os recursos humanos formados no SNS sejam capturados pelo sector privado. Aliás, a discussão sobre exclusividade, pode estar inquinada…
Também custa a compreender como é possível que o Ministério das Finanças dê luz verde a um suplemento para as 40 horas médicas, e o mesmo não aconteça para os enfermeiros.
Atenção: a medida das 40 horas (pelo valor das 35) é péssima para a economia. Mas se o Governo acha que a medida vale os riscos, jamais deveria abrir excepções.
O despacho 9635/2013 de 23 de Julho, parece remeter-nos para um certo clima de censura… Que está em linha com uma filosofia vigente nos serviços de saúde, onde faltam momentos de diálogo, seja entre profissões, seja dentro da mesma profissão.
Como se escolhem os elementos que integram os CA´s? E todas as outras nomeações que daí decorrem? Para quando uma (genuína) parceria público privada (unidades de saúde, universidades e empresas de tecnologias de informação), para se elaborar um sistema informático moderno e eficiente?
E sobre o SNS? Paulo Macedo é ou não um defensor de um serviço público de saúde com qualidade? Que reformas são necessárias implementar (no que diz respeito ao financiamento, oferta de cuidados e prevenção)? Para quando uma clarificação definitiva do papel da ADSE em relação ao sector privado? E para quando um discurso de verdade aos portugueses: quanto dos nossos impostos vai para a despesa em saúde (que neste momento, equivale ao que pagamos pelos juros da dívida)? Será que convém ao Governo que cada vez mais, os cidadãos recorram ao sector privado, de forma a não onerar em demasia o Estado?
Frequentemente ouvimos críticas aos serviços de saúde: parece que são médico-cêntricos. O que quer isto dizer? Não deveria o Sr. Ministro democratizar e clarificar o modo de funcionamento das instituições de saúde? Há profissionais de saúde que parecem ter pouca voz, e há outros que nem sequer são ouvidos. Faz falta sentar à mesma mesa os vários intervenientes. E já agora, quem ouve os utentes? Não estarão os profissionais de saúde demasiado ocupados com os “jogos de poder”, ao invés de se focarem na essência da sua missão: servir os cidadãos?