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I Reumacare

A adesão ao tratamento passa em grande parte pela relação que se estabelece entre o Profissional de Saúde e a Pessoa doente.

I REUMACARE: Curso de Reumatologia para Profissionais de Saúde, CHUC, EPE

“Excelência de Cuidados Multidisciplinares em Reumatologia”

“A mente uma vez esticada por uma ideia poderosa, nunca voltará a encolher à sua dimensão original”
Oliver Wendell Holmes

Foi nos dias 1 e 2 de Junho de 2012 que teve lugar no Hotel Vila Galé, em Coimbra, o I Reumacare, organizado pela Associação de Reumatologia de Coimbra (ARCo) e pela Equipa de Enfermagem do Serviço de Reumatologia do CHUC (SRCHUC). Contou com o patrocínio científico da Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR) e com o apoio do Standing Committee of Health Professionals in Rheumatology da Liga Europeia Contra o Reumatismo (EULAR).

Participaram cerca de uma centena de profissionais de saúde, maioritariamente enfermeiros, mas também fisioterapeutas, médicos, farmacêuticos e terapeutas ocupacionais. Esta foi uma formação desenhada com um formato multidisciplinar, procurando centrar-se na mais recente evidência científica e sua aplicação na prática, entendendo a complementaridade das intervenções dos diferentes grupos profissionais decisiva para a qualidade e eficiência dos serviços de saúde.

Muitos poderão pensar que a reumatologia é uma área muito específica e que pouco poderão retirar de proveitoso de encontros como o ReumaCare. Acreditamos que estão equivocados, dada a prevalência deste tipo de patologia:

“As Doenças Reumáticas para além de serem, nos países desenvolvidos, o grupo de doenças mais frequentes da raça humana, devem ser assumidas como um importante problema social e económico, cujo impacto negativo, em termos de saúde pública, tem tendência crescente, tendo em conta os actuais estilos de vida e o aumento da longevidade da população.” (Programa Nacional Contra as Doenças Reumáticas, DGS, 2004:3)

Eventualmente, se em vez de se falar em reumatologia se abordar a problemática das doenças músculo-esqueléticas (lombalgia, artrose, osteoporose, tendinite…) as pessoas já conseguem mais facilmente avaliar o alcance e o desafio colocado por esta temática.

De facto, as doenças reumáticas colocam desafios muito especiais; quando uma pessoa tem que viver com incapacidade e elevado sofrimento, como acontece frequentemente na doença crónica em Reumatologia, a sua vida pode sofrer variadíssimas alterações, tornando-se fundamental encontrar um equilíbrio e um significado para as experiências de vida diária, exigindo-se aos Profissionais de Saúde uma abordagem compreensiva, global e multidisciplinar, que contribua para níveis elevados de recuperação do estado de saúde, conforto, bem-estar e máxima capacidade de autonomia.

O encontro começou com a mesa redonda “Enfermagem em Reumatologia: Percurso e Futuro”. Numa análise ao percurso Nacional, a Enfermeira Lurdes Barbosa (hospital Garcia de Horta) enunciou os encontros formativos promovidos pela indústria farmacêutica e pela SPR na última década, evidenciou ainda a crescente produção científica por enfermeiros em reumatologia, nacional e internacionalmente, fazendo, por fim, uma caracterização dos centros de reumatologia do país, do número de enfermeiros e da sua formação.

Seguiu-se a perspetiva internacional, realizada pela Doutora Jill Firth, Professora da Universidade de Leeds, Enfermeira especializada em reumatologia, que partilhou a sua perspectiva com base na sua experiência pessoal enquanto Coordenadora de uma unidade de reumatologia. De salientar que a Inglaterra é, a par da Holanda, um dos países europeus com maior desenvolvimento nesta área. A professora Jill descreveu o percurso histórico da especialidade, que se iniciou com o trabalho de um pequeno grupo de enfermeiras em geriatria e que culminou no momento atual, com a existência de serviços de reumatologia que são liderados por enfermeiros. Neste percurso e, por ordem cronológica, salienta-se: o início com a participação em conferências nacionais e a publicação de artigos e livros; o providenciar de suporte psicológico estruturado aos doentes; a educação do doente; a referenciação de doentes para os médicos reumatologistas e para outros profissionais de saúde; a criação e manutenção de linhas de apoio telefónico; a criação do curso de mestrado em reumatologia; o desenvolvimento da prática, nomeadamente do exame físico reumatológico; a realização/ interpretação de investigação liderada por enfermeiros; a realização de consultas para gestão da doença, monitorizando a eficácia da medicação (entre outros); a autonomia para internar doentes; a possibilidade de administração de injeções intra-articulares; a consolidação científica do ensino, liderança e mentorship realizado por enfermeiros; a possibilidade de prescrição medicamentosa; a realização de investigação publicada em revistas com alto fator de impacto; e, por fim, a criação de serviços liderados por enfermeiros, com resultados cientificamente comprovados (Ndosi et al., 2011a; 2011b).

A artrite reumatóide, um dos temas de reflexão neste Curso, é uma doença inflamatória crónica, sistémica e de etiologia desconhecida. É caracterizada por dor e tumefacção nas articulações, com uma prevalência de cerca de 0,4% na população portuguesa e afeta cerca de duas a três vezes mais as mulheres que os homens entre a terceira e a sexta década de vida. Está ainda associada a fenómenos de morbilidade e incapacidade funcional importantes. Porém, hoje é possível alterar este panorama com o diagnóstico precoce, instituição de terapêutica adequada e monitorização regular do doente, com o objectivo de atingir a remissão ou a quase remissão, ou seja, baixo nível de actividade da doença, evitando dano estrutural e incapacidade funcional.

Foi este o foco da segunda mesa redonda “Artrite Reumatóide: Diagnóstico e Tratamento”, que contou com o patrocínio dos Laboratórios ABBOTT e com a participação do Dr. Armando Malcata e da Dr.ª Dolores Nour, bem como da Enf.ª Anabela Silva e da Enf.ª Andréa Marques, elementos do SRCHUC.

Após a discussão da importância do diagnóstico precoce e focado em objetivos apertados, abordou-se a estratégia terapêutica, que passa pela avaliação criteriosa do doente e opção por terapêuticas eficazes, mas que não estão isentas de riscos. As terapêuticas biológicas podem melhorar significativamente a qualidade de vida dos doentes, porém provocam imunossupressão, o seu principal problema. São realizadas essencialmente em regime ambulatório, cabendo ao Enfermeiro um papel importante na avaliação antes e durante o tratamento e na educação para a saúde, no ensino e capacitação do doente, preparando-o para a vigilância de sinais de alerta. Algumas reacções adversas podem ocorrer tardiamente, sendo que para minimizar os seus efeitos foi criada uma linha de apoio telefónico do SRCHUC, que permite ao doente o contacto com os profissionais do serviço e agilizar respostas em tempo útil, tema também abordado pela Enf.ª Anabela Silva.

A doença crónica, como a artrite reumatóide, tem enorme impacto sobre a pessoa; impacto económico, social e humano. Cada pessoa é única e a forma de lidar com a doença também. Uma das principais dificuldades no seu controlo reside na adesão ao regime terapêutico e o atual momento que vivemos, traduzido pela crise económica que o País atravessa, constitui um sinal de alerta (acesso aos cuidados de saúde e aos medicamentos, deslocações), sobretudo para aqueles cujos recursos económicos são mais débeis.

A adesão ao tratamento passa em grande parte pela relação que se estabelece entre o Profissional de Saúde e a Pessoa doente. A forma de comunicar é crucial; saber ouvir, mostrar disponibilidade para escutar e compreender as queixas e preocupações, informar e orientar para os apoios disponíveis, estabelecendo uma verdadeira relação de confiança, constituem factores para a motivação, a mudança de comportamentos e a melhoria dos resultados. Estes foram os principais aspetos focados pela Doutora Isabel Silva, Psicóloga eProfessora na Universidade Fernando Pessoa, Porto.

A dor e a limitação funcional provocadas pela doença têm impacto significativo nas actividades de vida diária, ou seja, em actividades simples mas muito relevantes para o doente, tais como: o vestir e o despir, a realização da higiene pessoal, a alimentação e as tarefas domésticas, entre outras. Para colmatar estas dificuldades constituem-se como úteis as ajudas técnicas e dispositivos que aumentam, melhoram e controlam as funções comprometidas, contribuindo para a recuperação da função e diminuição da dor. Esta foi a temática da palestra da Enf.ª Andreia Gonçalves (SRCHUC).

Os doentes constituem a nossa motivação e a sua participação no ReumaCare serviu à reflexão sobre “O que os doentes precisam e esperam dos profissionais”, o mote que deu início à mesa redonda “Necessidades do doente com AR”, com um depoimento de uma associada da Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatóide (ANDAR). Neste depoimento ficou evidenciada a necessidade do estabelecimento de uma verdadeira relação de confiança e empatia com os profissionais de saúde, a compreensão dos seus problemas e necessidades, ajuda e orientação nos tratamentos e acessibilidade aos profissionais, bem como foi enfaticamente discutida a diferença do sistema público e privado em saúde e a sua (des)ligação.

Promover a capacitação do doente, fazendo-o acreditar que é capaz de lidar com a situação e que dispõe de capacidades para superar as adversidades e encarar o processo com otimismo, aprendendo a viver com a doença, melhorando a auto estima, reconhecendo as dificuldades e enfrentando os desafios, representam contributos essenciais para a felicidade dos doentes. Nesse sentido, o Enf. Ricardo Ferreira focou-se na “Capacitação do doente com AR: Resiliência e Autoajuda” e o Psicólogo Miguel Pereira Leite no “Promover a felicidade e o otimismo no contexto terapêutico”, sendo que este última comunicação foi muito provavelmente o ponto alto deste encontro. Ficaram evidentes os ganhos em saúde e bem-estar das pessoas otimistas bem como foram facultadas dicas/estratégias para atingir o bem-estar e ainda destacados os “7 pecados (potencialmente) mortais contra o otimismo”: perfecionismo; autoestima viciosa; dependências; inação e limitações autoimpostas; intoxicação crónica de stress; desculpite e irresponsabilidade aguda; ruminação pessimista.

Outro tema central deste encontro foi a “Investigação em reumatologia para profissionais de saúde: desafios e oportunidades”, palestra ministrada pelo Doutor Rui Soles Gonçalves, Fisioterapeuta, Professor na Escola Superior de Tecnologias de Saúde de Coimbra (ESTeSC), Investigador no Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (CEISUC). Com elevado rigor e clareza, o Professor Rui abordou o desafio de investigar em reumatologia, as principais razões para desenvolver investigação neste âmbito, as principais barreiras e a sua experiência profissional que lhe permitiu publicar já vários artigos em revistas internacionais de reconhecido valor. Uma das ideias base da sua apresentação foi a Prática Baseada na Evidência, que todos os profissionais devem almejar e que resulta da interligação de 3 aspetos: a melhor evidência resultante da pesquisa/investigação; a experiência clínica do profissional; os valores do doente. A sua exposição terminou com a apresentação do Repositório de Instrumentos de Medição e Avaliação em Saúde (RIMAS), nomeadamente sobre estratégias de pesquisa.

A dor constitui o sintoma dominante nas doenças músculo esqueléticas, é uma das principais causas de sofrimento humano, atingindo cada vez mais um número elevado de pessoas, representando um importante problema de saúde pública que exige dos profissionais de saúde a adopção de medidas eficazes para o seu controlo. Este foi então o tema dominante do segundo dia do ReumaCare: “Tratamento da dor Crónica Músculo-Esquelética”.

A primeira palestra coube ao Doutor José António Pereira da Silva, Diretor do SRCHUC, Professor na Faculdade de Medicina da UC, que abordou o tema “Interpretar e avaliar a dor”. Aí destacou que a dor é um fenómeno complexo, multidimensional, de avaliação subjetiva. Está relacionada não só com a sensibilização do Sistema Nervoso Central, que nos dá a informação sobre a sensação que estamos a sentir, (dor nociceptiva), mas também com factores psicológicos, culturais, experiências prévias, crenças, ambiente social, atitudes e expectativas face à dor, sexo, personalidade e estado emocional, que por sua vez influenciam a avaliação individual de dor, nomeadamente na forma como cada indivíduo descreve e identifica a sua intensidade.

Para melhorar os resultados e obter ganhos no controlo da dor é fundamental a comunicação eficaz entre o profissional e a pessoa com dor, bem como o estabelecimento de um plano de auto controlo da dor. Deve-se promover a educação e capacitação do doente e família para lidar com o fenómeno dor, reconhecendo a dor e suas características, factores de alívio e de agravamento, garantindo o conhecimento de si próprio, da medicação e a adesão ao regime terapêutico, gerindo o fenómeno dor reforçando a autonomia. Conhecer os “Alcances e limitações do tratamento farmacológico da dor” foi o tema abordado pela Dr.ª Maria João Salvador (SRCHUC).

A circular normativa n.º9/2003 da Direcção Geral de Saúde institui a dor como o 5.º sinal vital e preconiza como norma de boa prática a avaliação e o registo sistemático da intensidade da dor pelos profissionais de saúde. Interpretar e avaliar a dor, não só a intensidade mas também as suas características, os factores de alívio e de agravamento e as estratégias de coping usadas revelam-se fundamentais para uma atuação eficaz no controlo da dor, nomeadamente da dor crónica. Este foi, em parte, o conteúdo da comunicação do Enf. José Laranjeiro (SRCHUC).

As “Técnicas não farmacológicas no tratamento da dor Crónica músculo esquelética” constituíram o foco de um painel que contou novamente com o Professor Rui Soles Gonçalves como orador principal, que realizou uma revisão sistemática das técnicas que demonstraram ser eficazes no tratamento da dor na osteoartrose. Assim, apresentadas como técnicas com elevada qualidade de evidência foram o exercício e a redução de peso. Com moderada qualidade de evidência destacou-se: o campo eletromagnético; a acupunctura; a estimulação eléctrica transcutânea (TENS); a terapia laser de baixo nível; as intervenções psicoeducacionais. Com baixa qualidade de evidência apresentou-se: o ultra-som; a estimulação elétrica muscular; os suportes e ortóteses; a termoterapia e balneoterapia. Sem evidência apresentaram-se as técnicas: massagem; tracção; pulseiras magnéticas; ligaduras funcionais. Concluiu-se assim que as intervenções de fisioterapia são úteis para a pessoa com osteoartrose do joelho e que o exercício e a redução de peso são as opções mais válidas. Foram depois debatidos os resultados de diferentes programas neste âmbito (frequência, intensidade, tempo e tipo), sendo que se concluiu também que para ser eficaz a redução de peso deve ser de pelo menos 5% num período de 20 semanas.

O ReumaCare terminou com um workshop sobre Contagens Articulares, parte integrante de um Exame Reumatológico, que contou com a participação voluntária de 8 doentes seguidos na consulta externa do SRCHUC, no qual os participantes foram treinados na determinação do número de articulações tumefactas e dolorosas.

No entanto, antes do términus do encontro foram ainda votados pela audiência os temas propostos para o II ReumaCare, tendo sido os seguintes: 1) Promoção da autonomia funcional na pessoa com patologia músculo-esquelética; 2) Estratégias não farmacológicas de alívio da dor (discussão mais pormenorizada e centrada na prática); 3) tratamento de feridas em pessoas com doença reumatológica. De acrescentar que a votação pode continuar no website do curso ou na sua página do Facebook, assim como também as comunicações apresentações durante o curso foram disponibilizadas no website.

Por fim, torna-se importante referir que este evento, com a qualidade proporcionada, não teria sido possível sem o apoio da indústria farmacêutica (Abbott, Medi Bayreuth, MSD, Roche, Pfizer, UCB). O país atravessa um momento económico e social muito difícil e a área da saúde tem sido afetada por este clima desfavorável. Muitos profissionais de saúde mostram-se desalentados com o presente e com o futuro e alguns praticamente desistiram de investir (economicamente) na sua formação profissional. Compreende-se esta posição. Contudo, é também nos momentos de adversidade que novos caminhos devem ser explorados, na procura do desenvolvimento de nichos de atuação que sirvam os interesses de todos, principalmente das pessoas, o centro dos nossos cuidados e a razão da nossa existência profissional.

Com os melhores cumprimentos,
Because We Care

Enf.º Ricardo Ferreira e Enf.º José Laranjeiro Costa
(Serviço de Reumatologia – CHUC-HUC, EPE)

Referências Bibliográficas e sites sugeridos:

BRANCO, Jaime (2010). Abordagem terapêutica em Reumatologia. Lousã: Lidel .
NDOSI, Mwidimi [et al.] (2011a). The effectiveness of nurse-led care in people with rheumatoid arthritis: A systematic review. International Journal of Nursing Studies (versão online www.elsevier.com/ijns).
NDOSI, Mwidimi [et al.] (2011b). A randomised, controlled study of outcome and cost effectiveness for RA patients attending nurse-led rheumatology clinics: Study protocol of an ongoing nationwide multi-centre study. International Journal of Nursing Studies (versão online em www.elsevier.com/ijns).
Plano Nacional de Luta Contra a Dor (2001). Lisboa: Direção Geral de Saúde.
Programa Nacional contra as Doenças Reumáticas (2004). Lisboa: Direção Geral de Saúde.
RYAN, Sarah (2000). Drug Therapy in Rheumatology Nursing. 2nd ed. West Sussex, England: Jonh Wiley & Sons, Ltd.
SILVA, José António Pereira (2004). Reumatologia Prática. Coimbra: Diagnóstico, Lda.
Portal das Doenças Reumáticas (PDR). Instituto Português de Reumatologia (IPR) – www.pdr.pt
Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR) – www.spreumatologia.pt
Repositório de Instrumentos de Medição e Avaliação em Saúde (RIMAS) – www.uc.pt/org/ceisuc/RIMAS/
ReumaCare – www.reumcare.org e www.facebook.com/reumacare
Eupean League Against Rheumatism (EULAR) – www.eular.org
Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatóide (ANDAR) – www.andar-reuma.pt