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Falta um “Apocalypse Now” da Guerra Colonial, diz escritor João de Melo

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“Eu já levava a literatura comigo, mas eu fui furriel enfermeiro e tudo me aconteceu.A Guerra foi para mim a abertura duma porta, não apenas para a descrever com alguma intimidade, mas também para curar de ver que país era este que mandou uma geração inteira para a guerra, para defender um império a partir dum país mínimo”.

 

E  isto, se não é literário podia ser cinematográfico, e lamento bastante  que ainda não haja um ‘Apocalypse Now’ português sobre esta experiência. Há muita literatura, mas cinema não, talvez por ser mais exigente e caro”, diz o autor do romance “Autópsia de um mar de Ruínas” e da antologia “Os Anos da Guerra” .

Em entrevista à agência Lusa, o escritor recorda que ainda nos anos oitenta propôs a adaptação do romance “Autópsia de um Mar de Ruínas” ao Bando (grupo que já tinha adaptado para teatro o mais premiado dos seus livros “Gente Feliz com Lágrimas”), e à RTP, sem sucesso, mas refere que “qualquer momento é um bom momento, e quando há hipótese de três ou mais gerações usufruírem dessa versão cinematográfica, ela cumpre um papel de análise histórica do país”.

Para João de Melo, não é importante que seja o seu romance a ser adaptado, é o tema que lhe interessa preservar ao propor o cinema como lugar da memória: “Aquilo ficou gravado na alma de quem lá esteve. É um tema universal e já não é tabu, embora permaneça oculto ainda em muitas casas portuguesas, e o tempo é o grande inimigo porque o esquecimento instala-se”.

“Estamos num tempo de visualizações, tudo é visual, e o cinema como arte é muito mais poderoso. Um grande filme sobre a Guerra Colonial, era porventura, mais eloquente do que toda a literatura”, considera o escritor, contando “o que vem de lá de trás, e o trânsito do país do salazarismo para a liberdade, que é o que a literatura tem feito”.

“Mas aplicado ao cinema, teria um alcance muito maior. Podia ser um ditame para a nova geração cinematográfica, com muito talento. É um desafio, o “Apocalypse Now” é o grande modelo para mim”, conclui. 

Neste ano em que celebra 50 anos de carreira literária, e em que se assinalam os 50 anos das independências das ex-colónias, à exceção da Guiné-Bissau, João de Melo retomou o tema, com o tríptico “A Nuvem no Olhar”, que dá também nome ao livro de contos, publicado em Outubro. Nele, o escritor acompanha o regresso dos soldados a casa. 

“Eu já tinha feito a guerra do lado de lá, neste conto é o regresso a casa. Dá o estendal do que foi a guerra no interior da sociedade portuguesa,as três gerações contempladas nesse conto são um retrato dos efeitos que a guerra provoca ” explica o autor, que esteve 27 meses destacado em Angola (1971/1974), como furriel enfermeiro.

Das emboscadas que lhe deixaram imagens em carne viva ao mapa da Europa na messe dos sargentos “com Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Timor, tudo por cima da Europa”, em que legenda era: Portugal não é um país pequeno, João de Melo considera: “Aquilo era o império do ridículo, porque regressámos à nossa pequenez”.

Por tudo isto, o escritor não abandona a ideia do filme. “Continuo à espera duma oportunidade de propor o tema porque vai ser um êxito e porque faz justiça a esta geração que tanto sofreu com a guerra”.

 

Leia na íntegra em Notícias ao Minuto