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Congresso “Feridas: Novas Evidências, Melhores práticas”

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Congresso “Feridas: Novas Evidências, Melhores práticas”

A deficiente cicatrização de feridas encontra-se associada aos excessivos níveis de proteases, nomeadamente de metaloproteases (MMP’s).

Congresso “Feridas: Novas Evidências, Melhores práticas”

14 e 15 Maio de 2009 – FIL

Este evento, mais uma vez, contou com um leque variado de intervenientes, quer membros do Grupo Associativo de Investigação em Feridas (GAIF), quer convidados nacionais e internacionais. Várias empresas do ramo dos materiais de tratamento de feridas, também, marcaram presença com stands no hall do Centro do Congresso, e através da realização de simpósios em paralelo.

Sem querer menosprezar determinadas mesas em prol de outras, apenas vamos apresentar as mais inovadoras e que para nós eram mais desconhecidas ou pouco discutidas.

Biofilmes: uma nova entidade (Dr.ª Elaine Pina – HLU)

Os biofilmes são comunidades biológicas, de uma única ou mais espécies, com um elevado grau de organização, e que se encontram embebidas em matrizes produzidas por elas próprias. Os biofilmes podem desenvolver-se em qualquer superfície húmida, sendo responsáveis por 80% das infecções crónicas (Pazo e Patel in Clin Pharm Ther) e mais prevalentes nas feridas crónicas do que nas agudas.

O comportamento bacteriano irá depender do tipo de bactérias em causa – planctónicas, sésseis (associadas a infecções menos agressivas mas mais duradouras) ou associadas. Estas poder-se-ão associar devido ao chamado quorum sensing (comunicação bacteriana).

Um biofilme compreende uma complexa comunidade multibacteriana, na qual se dá a secreção da substância polimérica extracelular (SPE), uma espécie de “cola” que protege a bactéria e dá coesão à comunidade. A matriz formada por esta protege, a nível individual, de stresses ambientais, recolhe nutrientes do ambiente envolvente e providencia abrigo para os micro-nichos heterogéneos dentro deste biofilme.

Os biofilmes têm a capacidade de se replicar, ao “quebrar” pequenas porções da sua constituição, porções estas que estão envolvidas em SPE e têm a capacidade de atacar uma determinada superfície, tornando-se metabolicamente activas e formar uma nova comunidade bacteriana.

     Em: http://www.e-escola.pt/mgallery/default.asp?obj=2992

Muitas bactérias não são identificadas por biopsias ou zaragatoas. Estas deixam de ter interesse em feridas polimicrobianas, uma vez que existem bactérias protectoras e não nocivas. Estas técnicas não têm importância clínica, uma vez que serão sempre positivas em feridas crónicas, não nos dando indicação de infecção, mas apenas de colonização/contaminação. Se estas técnicas forem utilizadas, apenas deverão sê-lo em feridas agudas monomicrobianas. Mais correctamente, deverá ser realizado um exame bacteriológico para identificar alguma bactéria de que não estamos à espera de encontrar.

Os biofilmes não são sempre nocivos (ex.: flora da boca, vagina, pele…), existem alguns que são protectores, mas, ocasionalmente, podem ser considerados uma nova entidade patogénica que interfere na cicatrização, contudo não está provado que são responsáveis pelo seu atraso. A formação destes biofilmes acarreta inúmeras vantagens para as bactérias tais como: impede a fagocitose, anticorpos, radicais livres e acção antibiótica, pelo que, para o antibiótico ter efeito, o biofilme deverá ser previamente desbridado.

O bioburden é a carga (micro)biológica polimorfa que compete com o processo cicatricial (potenciadores de necrose, infecção, hematoma, etc.).

Nos biofilmes, poder-se-ão formar simbioses, nas quais os produtos de degradação de umas bactérias são o alimento de outras, aumentando, deste modo, a sua resistência. Algumas entram numa espécie de “hibernação”, tornando-se inertes aos antibióticos, uma vez que estes apenas actuam em bactérias activas.

Patogenia da cronicidade

  • Hipoxia;
  • Pressão – causa a demora da resposta do sistema imunitário parando a cicatrização na fase inflamatória;
  • Isquémia;
  • Idade;
  • Desnutrição;
  • Sobrecarga bacteriana;

A evolução cicatricial de uma ferida nas primeiras semanas permite avaliar a cicatrização/cronicidade futura.

Tratamento – identificar e erradicar as barreiras da cicatrização:

  • Desbridamento cortante;
  • Biocidas – prata ou iodo;
  • Agentes antibiofilme de curto (como por ex. xilitol, lactoferrina, gallium, óxido nítrico, gel de ácidos gordos ou EDTA) ou longo prazo;
  • Antibióticos complementares – se infecção profunda.

Opções terapêuticas na infecção local: vantagens e desvantagens (Dr.ª Ondina Martins – GAIF)

Antes da administração de qualquer terapêutica deve-se começar pela preparação do leito da ferida e para tal procede-se à sua limpeza e, caso seja necessário, ao desbridamento. Existem várias opções terapêuticas entre as quais:

  • Antimicrobianos – actuam no microrganismo e não no utente;
  • Antibióticos tópicos ou sistémicos:
    • Vantagens:
      • Reduzem o número e tipo de microrganismos;
      • Transmitem segurança;
      • Desvantagens:
        • Antibiótico tópico:
          • Dificuldade na quantidade a utilizar;
          • A concentração do princípio activo é empírica. A concentração na superfície é diferente em áreas mais profundas;
          • Podem atrasar a cicatrização;
          • Não há evidência de eficácia;
          • Pode provocar alergias;
          • Favorece as resistências;
          • Nunca utilizar com sistémico (resistências cruzadas).
        • Antibiótico sistémico:
          • Favorece as resistências;
  • Antissépticos:
      • Vantagem – reduzem o tipo de microrganismos;
      • Desvantagens:
        • Pode provocar alergias;
        • Podem atrasar a cicatrização;
        • Incapaz de interagir com biofilmes;
        • Tempo de contacto reduzido;
        • Necessidade de repetidas aplicações.

Como opção terapêutica na infecção local possuímos pensos com:

  • Iodo – possui um largo espectro;
  • Prata – bactericida de largo espectro (deverá ser usado apenas durante 2 semanas);
  • Mel – pode causar ardor ou reacções alérgicas devido ao pólen ou à apitoxina;
  • Larvas (Lucillia Sericata) – produzem enzimas que destroem as bactérias;
  • Ácido gordos esterilizados – absorvem os microrganismos;
  • Polihexanida.

     Antibioterapia: quando, como e porquê? (Dr. Eugénio Teófilo – CHLC)

A fim de se iniciar o tratamento de uma ferida com antibióticos dever-se-á saber quais os organismos que pretendemos erradicar. Para tal, pode-se realizar uma biopsia ou zaragatoa (Técnica de Levine – rodar a zaragatoa em 1cm3 do centro da ferida). A biopsia só deverá ser realizada após desbridamento, mas caso seja utilizada lidocaína não é valida pois esta é bactericida.

106 CFU/g (unidade de ferida colonizada por grama) – Unidade de medida de colonização de uma ferida com um só microrganismo.

     Tratamento de uma ferida infectada:

  • Intervenção cirúrgica precoce

  • Quando? – na presença de celulite ou algum sinal de infecção mais grave;

  • Como? – Antibioterapia sistémica, preferencialmente;

    • Antibioterapia tópica (ferida sem sinais evidentes de infecção) – Sulfadiazina de prata;

    • Antibioterapia sistémica – orientada para o agente provável, preferencialmente, administrada por via per’os.

      • MRSA da comunidade – cotrimoxazol;

      • Em diabéticos – ciprofloxacina e clindamicina + restabelecimento a circulação periférica.

  • Porquê? – Risco de sepsis. Em doentes diabéticos, esse riso é maior, aumentando também a mortalidade ou o risco de amputação. Os antibióticos são bacteriostáticos, ou seja, inibem o crescimento das bactérias e o sistema imunitário tem que fazer o resto.

     Workshop – Limpeza de Feridas (Prof. Dr. Hans Smola)

O que impede a cicatrização?

  • Doenças sistémicas/patologias subjacentes;

  • A presença de fibrina – estimula a inflamação. Realizar limpeza quando a cirurgia não está disponível.

A deficiente cicatrização de feridas encontra-se associada aos excessivos níveis de proteases, nomeadamente de metaloproteases (MMP’s). A matriz extra-celular recém-formada deteriora-se, inibindo a granulação. Para além desta deterioração, a biodisponibilidade de moléculas de sinalização – como as citoquinas – pode ser perturbada por níveis excessivos de MMP’s. Para controlarmos os níveis de MMP’s, deverá existir um equilíbrio entre as MMP’s e os TIMP’s (inibidores tecidulares das metaloproteases), sendo que o tratamento passará pela hidratação das feridas secas e redução/absorção do exsudado em excesso (HANS et al, 2009, p.18).

Cuidados à pele perilesional e gestão de esxudado (Enf. Manuel Fornells e Enf. Fernando Gonzalez – GNEAUPP, Espanha)

A produção do exsudado da ferida ocorre em consequência da vasodilatação durante o estadio inflamatório, sob a influência de mediadores tais como o histamina e o bradiquinina. Apresenta-se como um líquido seroso no leito da ferida, fazendo parte do processo normal de cicatrização de ferida. Entretanto, numa ferida crónica, a inflamação é persistente, anormal, podendo haver ou não infecção estabelecida, e o exsudado sofre alterações que gera desafios clínicos.

Em feridas crónicas, o exsudado em excesso degrada os factores de crescimento e aumenta a concentração de MMP’s (em feridas com boa evolução cicatricial os MMP’s encontram-se inactivos), consequentemente atrasa a cicatrização, o que torna difícil a escolha do penso a utilizar.

O exsudado de uma ferida é importante pois:

  • Mantém a humidade da ferida;

  • Ajuda a migração das células reparadoras;

  • Transporta nutrientes;

  • Entre outros (consultar tabela 1).

Não existe nenhum tratamento/produto privilegiado para o controlo do exsudado de uma ferida, pois na sua escolha há que ter sempre em conta o acrónimo TIME, ou seja, o tipo de tecido existente na ferida (tissue), existência de inflamação ou infecção (infeccion or inflammation), a quantidade e tipo de exsudado (moisture) (consultar tabela 2) e os bordos da ferida (epidermal margin).

TABELA 1 – Alguns componentes do exsudado e respectiva função

ComponenteFunção
FibrinaCoagulação.
PlaquetasCoagulação.
Polymorphonuclearcytes (PMNs)Defesa imunitária, produção de factores de crescimento.
LinfócitosDefesa imunitária.
MacrófagosDefesa Imunitária, produção de factores de crescimento.
MicrorganismosFactor exógeno.
Proteínas plasmáticas, albumina, globulina, fibrinogénioMantém a pressão osmótica, a imunidade e o transporte de macromoléculas.
 Ácido lácticoProduto do metabolismo celular e indicador bioquímico de hipóxia
GlicoseFonte de energia celular.
Factores de crescimentoProteínas específicas da cicatrização.
Detritos da ferida / células mortasSem função.
Enzimas proteolíticasEnzimas que degradam proteínas, incluindo serina, cisteína, proteases aspárticas e matriz metaloproteases
Inibidores tecidulares de metaloproteases (TIMP’s)Inibição controlada de metaloproteases.

Traduzido de: http://www.worldwidewounds.com/2006/september/White/Modern-Exudate-Mgt.html#intro

TABELA 2 – Tipo de exsudados, aparência e significado clínico

TipoColoraçãoConsistênciaSignificado clínico
SerosoClaro, cor de palhaAguadoNormal. Possivelmente um sinal de infecção. Algumas estirpes de Staphylococcus aureus, estreptococos β-hemolítico grupo A e Bacteróides fragilis, produzem células fibrinolíticas. Pseudomonas aeruginosa não produz uma enzima específica que degrada a fibrina.
FibrinosoBaçoAguadoContém proteínas fibrinosas.
SerohemáticoClaro, rosaAguadoNormal.
HemáticoVermelhoAguadoTrauma num vaso sanguíneo.
SeropurulentoAmarelo baço, cor creme de caféCremoso, espessoInfecção.
PurulentoAmarelo, cinzento, verdeEspessoInfecção. Contém organismos pirogénicos e outras células inflamatórias.
HematopurulentoVermelho escuro, com manchas de sangueViscoso, pegajosoContém neutrofilos, bactérias mortas e células inflamatórias. Presença de um processo infeccioso. Consequentes danos nos vasos sanguíneos levam a perdas sanguíneas.
HemorrágicoVermelhoEspessoInfecção. Trauma. Os capilares estão tão friáveis que facilmente entram em rotura, levando a hemorragias espontâneas. Não confundir com exsudado hemático originado pelo desbridamento excessivo.

Traduzido de: http://www.worldwidewounds.com/2006/september/White/Modern-Exudate-Mgt.html#intro

     Enxertos e retalhos (Dr. Nuno Ramos – HEM)

Existem vários métodos para se revestir uma ferida:

  • Encerramento primário;
  • Retalho local;
  • Retalho à distância;
  • Retalho livre.

O enxerto tem várias fases:

  • Pega;
  • Imbibição – o tecido enxertado vai-se alimentar dos nutrientes existentes na ferida;
  • Inosculação;
  • Revascularização.

A diferença entre enxerto de pele e retalho é que o último é  transferido sem nunca perder o seu aporte vascular.

     Oxigénio hiperbárico (Dr. Óscar Camacho – HPHM)

O oxigénio hiperbárico tem várias utilizações na medicina, e já  existem vários hospitais portugueses que possuem câmaras hiperbáricas. O aumento do oxigénio no tratamento das feridas aumenta os factores de crescimento.

O oxigénio hiperbárico tem efeitos:

  • Volumétricos – por aumento da pressão;
  • Bioquímicos e celulares – por aumento da concentração e da difusão de oxigénio no plasma (correcção da hipóxia);
  • Anti-infeccioso – por aumento da fagocitose pelos PMN, aumento do poder bacteriano dos PMN e do sinergismo com os antibióticos. Bactericida directo (inibe o colestridium);

  • Pré-cicatrizante – aumento da produção de colagénio e da estimulação da angiogénese;
  • Anti-edematoso – vasoconstrição hiperóxica.

Terapia de Vácuo (Enf. Carlos Mateus – GAIF)

A terapia por vácuo tem como vantagens:

  • Diminui o edema;
  • Aumenta proliferação celular e estimula o tecido de granulação;
  • Diminui a carga bacteriana;
  • Aumenta o afluxo sanguíneo à superfície;
  • Diminui a quantidade de exsudado e de inibidores solúveis da ferida;
  • Diminui o espaço entre os bordos da ferida.

E está indicado para o tratamento de:

  • Queimaduras;
  • Úlceras por pressão e úlceras de perna;
  • Pé diabético;
  • Laparostomias e fistulas;
  • Feridas cirúrgicas não cicatrizadas;
  • Enxertos

Contra-indicado em caso de:

  • Feridas oncológicas;
  • Exposição de vasos, órgãos e/ou tendões;
  • Osteomielite.

Precauções:

  • Só deve ser utilizado com equipamento especializado para o mesmo;
  • Não usar rampas de vácuo ou aspiradores.

     Workshop – Terapia compressiva

Nas feridas crónicas a microcirculação encontra-se comprometida por várias razões, fáceis de memorizar através do acrónimo IVAN:

  • Inside – Os vasos sanguíneos perdem a sua elasticidade e exercem força para o exterior;
  • Vein – ingurgitamento/estase venosa;
  • Artery – diminuição da pressão arterial;
  • Nerve – compromisso nervoso pela diminuição da circulação e patologias subjacentes (ex.: diabetes).

A terapia compressiva vem tentar colmatar todos esses défices.

Diferença entre terapia compressiva elástica e não elástica:

  • A terapia compressiva elástica é apenas profilática. Esta exerce pressão para o interior;
  • A terapia compressiva não elástica é indicada na manutenção/gestão da patologia, e em caso de linfedema ou edema. É feita com ligadura de algodão. Esta terapia evita/contraria o relaxamento dos vasos sanguíneos, formando uma espécie de barreira exterior, facilitando o retorno venoso, reduzindo, assim, o linfedema/edema.

BIBLIOGRAFIA A CONSULTAR E CONSULTADA: