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Heparinização de Cateteres 

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Revista Nursing

A formação de coágulos e consequente obstrução do cateter surge como uma das complicações mais frequentes.

Nursing nº 245

Autores:

Filipa Banha; Pedro Vivas; Rosália Pires (Enfermeiros da U.T.M. do I.P.O.L.F.G.)

RESUMO

A utilização de um cateter venoso central (CVC), na abordagem terapêutica ao doente, é cada vez mais uma realidade nos serviços de saúde em Portugal. O CVC deixou de ser apenas utilizado nas unidades de cuidados intensivos, serviços de hemodiálise e unidades de oncologia, passando a ser uma constante nos diferentes contextos clínicos.

Os cuidados de enfermagem à pessoa com um CVC exigem do enfermeiro conhecimentos teórico-práticos indispensáveis para a correcta manipulação e manutenção deste dispositivo, evitando complicações que poderão ser de enorme gravidade.

A formação de coágulos e consequente obstrução do cateter surge como uma das complicações mais frequentes. Contudo, pode ser prevenida, a maioria das vezes, com uma correcta heparinização dos lúmenes do CVC.

Neste artigo descreve-se a experiência dos autores nesta área, divulgando-se o protocolo instituído no local de trabalho, cujos resultados são positivos. Espera-se contribuir com conhecimento experienciado para que outros profissionais possam aperfeiçoar o seu desempenho e uniformizar procedimentos tendo como objectivo melhorar a qualidade dos cuidados de enfermagem.

ABSTRACT

The use of a venous central catheter (CVC) on the therapeutic approach to the patient is more and more a reality in Health Care services in Portugal. The CVC as left to only used in intensive care units, haemodyalisis units, and oncology units, been a usual presence in the difference clinical contexts.

The nursing care to the person with a CVC demands from the nurse knowledge theorical-practical indispensable for the correct manipulation e support of this device, avoiding complications that can become of severe gravity.

The formation of blood clots e subsequent obstruction of the catheter appears as one of the most frequent complications. However, it can be prevent, in the most of the cases, with a correct heparinization of the lumen.

In this article, we describe the experience of the authors in this area, presenting the protocol that as been in use the ward, whose results are positive. We hope contribute with experienced knowledge so that other health professionals may increase skills in their performance, uniform procedures having as goal increase the quality of nursing care.

INTRODUÇÃO

O acesso venoso central é cada vez mais uma exigência nos cuidados à pessoa com doença crónica. Tornando-se a sua utilização comum, tanto em contexto de internamento como de ambulatório.

Este tipo de acesso inclui uma grande variedade de cateteres e reservatórios, assumindo a designação de central porque o extremo distal do cateter se posiciona na veia cava superior ou inferior.

À utilização do cateter venoso central (CVC) estão associadas várias complicações que podem ser prevenidas ou minimizadas respeitando cuidados específicos de manipulação e manutenção do mesmo. Estes cuidados necessitam de ser pensados e adaptados aos diferentes contextos da prática, de forma a uniformizar procedimentos e a garantir a qualidade dos cuidados.

No seguimento do Workshop Heparinização de Cateteres, apresentado no último Congresso da Revista Nursing, surge este artigo que descreve a utilização do CVC no contexto de trabalho dos autores, bem como os procedimentos e cuidados de enfermagem relativos à heparinização, como forma de prevenir a formação de coágulos no cateter e consequentemente a sua obstrução.

Na Unidade Transplantação Medular (UTM) do Instituto Português de Oncologia de Lisboa – Francisco Gentil, local de trabalho dos autores, é requisito obrigatório para a realização de um transplante de medula óssea a colocação de um CVC. Apesar da maioria dos CVC não ser colocada no serviço, os cuidados de manipulação e manutenção são realizados pelos enfermeiros do serviço que possuem uma larga experiência na prestação de cuidados ao doente com CVC.

A heparinização do CVC é um procedimento muito discutido, verificando-se a existência de diferentes protocolos, consoante o serviço, não existindo uma opinião unânime. Neste artigo, descrevemos a nossa experiência neste área que tem sido muito positiva.

Cateteres Venosos Centrais

Broviac (1973 cit. por ALBUQUERQUE, 2005) descreve o CVC como uma estrutura tubular, de diâmetro variado, introduzido no sistema vascular com o objectivo de manter um acesso por longo período de tempo que permita colheitas de sangue e administração de terapêuticas periódicas.

Os materiais do CVC são variáveis – silicone ou poliuretano -, mas todos possuem uma tira radiopaca que permite a sua observação (KORAN e NEWBERRY 2001). A maioria dos cateteres é flexível e macia (URDEN, STACY e LOUGH 2008).

Os cateteres variam conforme o número de lúmens, desde apenas um lúmen ou vários, por exemplo, cinco. Os lúmens têm diferentes diâmetros e são classificados de acordo com a distância ao coração em proximal ou distal.

A escolha do material do cateter e do número de lúmens do mesmo depende das necessidades do doente e dos objectivos terapêuticos.

Indicações

São várias as indicações para a utilização de um acesso central, nomeadamente: a administração rápida de grande volume de fluidos ou fármacos em situações de colapso das veias periféricas (choque); a administração de fármacos irritantes e/ou agressivos, como por exemplo as catecolaminas ou a quimioterapia; a administração de soluções com elevada osmolariedade, por exemplo a alimentação parentérica; a administração de fármacos de forma prolongada, durante vários dias ou semanas; a realização de colheitas de sangue frequentes; a realização de aféreses ou tratamentos de hemodiálise; a administração de transfusões; a realização de um transplante de medula óssea.

Implantação

A inserção de um CVC pode ser feita através de uma abordagem torácica, inguinal ou abdominal. Na abordagem torácica as grandes veias do tórax superior (subclávia, jugular ou axilar) são as mais utilizadas. Na abordagem inguinal utiliza-se a veia femoral, enquanto que na abordagem abdominal se utiliza a veia cava inferior.

A abordagem torácica é a mais utilizada, sendo as restantes abordagens geralmente utilizadas quando as grandes veias torácicas não estão acessíveis. A abordagem abdominal é a menos utilizada.

A veia jugular é o acesso mais usado pois, comparado com as outras veias torácicas, é a mais fácil de canalizar, representa menor risco de pneumotórax, contudo tem maior risco de contaminação local pelas secreções orais ou traqueias, especialmente se o doente estiver entubado ou com traqueotomia (URDEN, STACY e LOUGH 2008). Em contrapartida, à veia subclávia está associada uma menor taxa de infecção e um menor desconforto para o doente, contudo é de mais difícil acesso.

A abordagem femoral, através da veia femoral permite um grande fluxo sanguíneo, sendo indicada para aféreses ou para terapêutica de substituição renal contínua. As suas maiores desvantagens são o aumento substancial do risco de infecção e as restrições de movimentos impostas ao doente.

Tipos

Para além das diferenciações anteriores, é ainda possível distinguir os cateteres em: não tunelizado, tunelizado e com reservatório subcutâneo. Tanto os cateteres não tunelizados como os tunelizados podem ser de baixo ou de alto débito.

Os cateteres não tunelizados são os mais utilizados, de fácil colocação e extracção, não necessitando de cirurgia. Contudo têm uma curta durabilidade e estão associados a 90 por cento das infecções em cateteres (CABALLERO, 2006). Um dos modelos mais conhecidos é o Arrow®.

Na UTM os cateteres não tunelizados de baixo débito (imagem 1) são utilizados para a realização de transplantes de medula óssea autólogos, sendo geralmente implantado na véspera do doente ser internado para o transplante e é extraído no momento da alta ou uma a duas semanas depois de ter tido alta. Em media, o cateter não fica implantado mais do que um mês. Os cateteres de alto débito (imagem 2) são preferencialmente utilizados para as colheitas de células progenitoras hematopoiéticas em sangue periférico, sendo implantados no início do procedimento e extraídos quatro horas após o seu termino.

Imagem 1

Imagem 2

Os cateteres tunelizados têm um trajecto subcutâneo antes da inserção a nível venoso. Neste trajecto encontra-se uma tunelização subcutânea denominada por cuff, a sua presença é a principal característica destes cateteres e permite a aderência de tecido no espaço subcutâneo através de uma reacção fibrosa, ajudando a manter o cateter no local e a diminuir o risco de infecção. Estes cateteres são implantados cirurgicamente e têm uma longa durabilidade. Habitualmente, utilizam-se com 1 ou 2 lúmens, sendo o de maior calibre utilizado para colheitas de sangue ou infusão de hemoderivados. Os modelos mais conhecidos são o Hickman® e o Broviac®. (imagem 3)

Imagem 3

No caso dos transplantes de medula óssea, este tipo de cateter é utilizado nos transplantes alogénicos, sendo implantado na véspera do internamento e apenas extraído cerca de seis meses após o transplante.

Os cateteres com reservatório subcutâneo, também conhecidos como totalmente implantáveis, são implantados cirurgicamente na parede torácica, ficando totalmente inseridos no organismo. Para se aceder ao cateter punciona-se a câmara do cateter com uma agulha própria, de ponta biselada, para evitar danificar a membrana autovedante da câmara. (imagem 4)

Imagem 4

Este tipo de cateter é de uso prolongado, sendo muito utilizado para a administração de quimioterapia em ambulatório. As principais vantagens associadas a este tipo de cateter são o menor risco de infecção, a menor periodicidade de manutenção e o menor impacto causado na imagem corporal o que resulta numa maior comodidade para o utente. Um dos modelos é o Implantofix®.

Complicações associadas à utilização

A manipulação do CVC não está isenta de complicações e riscos, são eles: flebite, trombose venosa, arritmia, embolia, infecção local, sepsis, endocardite, deslocação do cateter ou migração da ponta do cateter, rotura do CVC, alergia ao material do cateter, formação de coágulos e obstrução do lúmen (CABALLERO 2006; THIBODEAU, RILEY e ROUSE 2007; URDEN, STACY e LOUGH 2008).

Algumas destas complicações associadas à manipulação podem ser prevenidas respeitando técnica asséptica nos procedimentos, enquanto que a formação de coágulos e/ou obstrução do lúmen podem ser prevenidas com a heparinização do lúmen do cateter.

Obstrução do cateter

A obstrução do cateter é umas das principais causas da perda do acesso venoso. Consiste num bloqueio causado pela precipitação de perfusões, formação de coágulos ou compressão anatómica, o que conduz à incapacidade de infundir ou injectar fluidos e de aspirar sangue.

As causas de obstrução podem ser agrupadas em três grandes grupos: intrínsecas à implantação, intrínsecas à manipulação do CVC ou intrínsecas à pessoa (CABALLERO 2006). As causas intrínsecas à implantação estão directamente relacionadas com a colocação do cateter quando a ponta do cateter fica localizada no espaço intracardíaco, quando há a migração da ponta do cateter para outro vaso ou quando a ponta do cateter se encontra encostada à parede do vaso.

As causas intrínsecas à manipulação do CVC englobam a técnica de manipulação e a técnica de lavagem, a precipitação de fármacos e a actuação em caso de obstrução parcial, ou seja, a actuação quando se suspeita de depósitos de fibrina no interior do lúmen do cateter.

Por último, as causas intrínsecas à pessoa estão directamente relacionadas com o doente englobando as alterações da coagulação, a hipertensão venosa, a presença de tumores mediastinicos ou de alterações anatómicas que provoquem compressão ao longo do percurso de inserção do cateter, bem como, a fibrose dos vasos.

No caso da obstrução do cateter por formação de coágulos, esta surge como consequência da activação da coagulação. Na obstrução por formação de coágulos, as causas principais são o contacto do sangue com uma superfície estranha como é o material do cateter, a perda de endotélio vascular como dano secundário à implantação do próprio cateter, os fármacos administrados, os episódios de infecção do cateter ou a estase venosa no lúmen do CVC.

A utilização do cateter para colheitas de sangue repetidas aumenta a probabilidade de formação de coágulos através de precipitados de fibrina. Quando a fibrina se acumula pode conduzir à obstrução parcial ou à oclusão total do lúmen. Os depósitos de fibrina são ainda um meio de cultura para possíveis infecções (URDEN, STACY e LOUGH 2008).

Para prevenir a oclusão ou a obstrução do lúmen por formação de depósitos de fibrina ou por estase de fármacos é fundamental a lavagem do lúmen com soro fisiológico após a perfusão de um fármaco, transfusão ou colheita de sangue e a correcta heparinização do lúmen.

Heparinização

A heparinização consiste na utilização de um agente farmacológico anticoagulante, para a manutenção de uma via de acesso venoso. Mas, para a manutenção da via não basta heparinizá-la, o procedimento completo engloba três passos. Primeiro injecta-se 10cc de soro fisiológico no lúmen a heparinizar para limpá-lo de perfusões anteriores ou de sangue, posteriormente, injecta-se uma monodose de heparina sódica com concentração de 20 UI/ml para preencher o lúmen com um anticoagulante e, por fim, clampa-se o lúmen e verifica-se a válvula anti retorno para prevenção da infecção e do refluxo. (Tabela 1)

Tabela 1

ProcedimentoJustificação
 Injectar 10cc de Soro Fisiológico em cada lúmen (flush).Lavagem de cada lúmen com flush de soro para limpeza de perfusões anteriores ou sangue.
 Injectar monodose de heparina sódica 20 UI/ml.Preencher o lúmen com um anticoagulante.
 Clampar o lúmen e verificar a válvula anti retorno.Prevenção da infecção e do refluxo.

A quantidade de heparina a injectar em cada lúmen depende do tipo de cateter e do diâmetro do lúmen. Na tabela 2 encontra-se a relação entre os tipos de cateter e a dose de heparina utilizada.

Tabela 2

Tipo de CateterDose de Heparina 20 UI/ml
 CVC não Tunelizado1 ml = 20 UI
 CVC de Alto Débito1,5 ml = 30 UI
 CVC Tunelizado1,5 ml = 30 UI
 CVC Subcutâneo 10F3 ml = 60 UI
 CVC Subcutâneo 4,5F2,5 ml = 50 UI

A heparina sódica utilizada tem a concentração de 20UI/ml não sendo necessário dilui-la. Esta característica diminui as manipulações, consequentemente, diminui o risco de infecção e facilita a uniformização dos procedimentos.

Quando se manipula um cateter que está heparinizado devemos respeitar uma ordem lógica de passos a seguir para garantir a permeabilidade do cateter antes de se iniciar o procedimento planeado.

No início, verifica-se se o lúmen do cateter reflui, se reflui avança-se com os procedimentos planeados, mas se não reflui verifica-se se está permeável à entrada. Se não está permeável comunica-se ao médico, o doente deve realizar uma radiografia para confirmar o posicionamento do cateter. Se o lúmen se encontra permeável tenta-se que reflua através de várias manobras, pedindo ao doente para mudar de decúbito ou para mudar de posição, para realizar inspirações e expirações profundas, para tossir ou para realizar a manobra de valsalva. Simultaneamente às manobras tenta-se que o lúmen reflua, se se conseguir avança-se com os procedimentos planeados, se não contacta-se o médico que poderá prescrever a utilização de Recombinant Tissue Plasminogen Activator (rTPA). (Esquema 1)

Esquema 1

O rTPA é classificado como agente antitrombótico, sendo uma glicoproteína que em contacto com a fibrina é activada conduzindo à dissolução do coágulo. Está indicado para enfarte do miocárdio, acidentes vasculares, embolismo pulmonar e desobstrução de CVC’s. Os efeitos secundários descritos são: tonturas, fotofobia, febre, mucosas secas, hemiparésia, hematomas, hemorragia, dor ou edema nos membros inferiores ou superiores, problemas respiratórios. Para a desobstrução de cateteres recomenda-se que após reconstituído com água para injectáveis fique com a concentração de 1mg/1ml, sendo posteriormente fraccionado em doses de 1ml conservadas a -25ºC com validade de 6 meses. (in http://emc.medicines.org.uk/printfriendlydocument.aspx?documentid=308&company...)

Injecta-se 1 ml de rTPA no lúmen que não reflui e aguarda-se uma hora. Se após uma hora o lúmen reflui procede-se com os procedimentos planeados. Mas, se após essa hora não refluir aguarda-se mais uma hora e volta-se a verificar se não reflui. Se continuar a não refluir informa-se o médico que pode prescrever mais 1ml de rTPA e aguarda-se mais uma hora. Se não se conseguir desobstruir o lúmen pode-se optar por deixar de o utilizar. (Esquema 2)

Esquema2

A correcta manipulação e heparinização do CVC são fundamentais para que este se mantenha funcionante e se evitem obstruções irreversíveis. Com o protocolo de heparinização que utilizamos actualmente no nosso serviço verificamos que, quer a quantidade e o tipo de heparina utilizada quer a periodicidade da heparinização, conseguimos responder de forma muito satisfatória às necessidades dos nossos doentes que possuem um cateter venoso central.

Bibliografia

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