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Enfermagem como Profissão Autónoma

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Revista Sinais Vitais

Os Cuidados de Enfermagem são intervenções autónomas ou interdependentes a realizar pelo enfermeiro no âmbito das suas qualificações profissionais.

Sinais Vitais nº 76

Carla Alexandra Correia da Silva

Licenciada em Enfermagem

Numa altura em que os Cuidados de Enfermagem sofrem um enfoque relacionado com a sua diferenciação e aplicação, com a Classificação Internacional para a Prática da Enfermagem em implementação em algumas instituições do nosso país, já implementada em outras, em que a nova Lei de Gestão Hospitalar, no Decreto-Lei n.º 27/2002 de 08 de Novembro, no seu capítulo II, artigo 10º, alínea e) determina que “…articulação das funções essenciais da prestação de cuidados e de gestão de recursos em torno dos directores de departamento e de serviço, sendo-lhe reconhecida (…) na organização do trabalho (…) sobre todo o pessoal que integra o seu departamento ou serviço, independentemente da sua carreira ou categoria profissional…”, torna-se essencial determinar qual o nosso domínio de acção como Enfermeiros.

Urge portanto e acima de tudo, definir o que é Enfermagem, sendo que no n.º 01 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 161/96 de 04 de Setembro, esta é definida como sendo “uma profissão que, na área da saúde, tem como objectivo prestar cuidados de enfermagem ao ser humano, são ou doente, ao longo do seu ciclo vital, e aos grupos sociais em que ele está integrado, de forma que mantenham, melhorem e recuperem a saúde, ajudando-os a atingir a sua máxima capacidade funcional tão rapidamente quanto possível”.

É reconhecido socialmente o valor do papel do enfermeiro como significativo no âmbito da comunidade científica da saúde, e bem assim no que concerne à qualidade e eficácia da prestação de cuidados de saúde, sendo essa prestação efectuada através de Cuidados de Enfermagem. Estes cuidados definem-se, segundo Carvalho (1996), como cuidados de saúde que consistem em intervenções autónomas de enfermagem relacionadas com diagnósticos de enfermagem relativos às pessoas, grupos e famílias, que incidem sobre as suas respostas humanas aos problemas de saúde, e que visam a coconstrução e co-consolidação da sua autonomia na concretização do seu máximo potencial de saúde.

Também na alínea d) do artigo 88º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros se pode ler que “o enfermeiro procura, em todo o seu acto profissional, a excelência do exercício, assumindo o dever de assegurar, por todos os meios ao seu alcance, as condições de trabalho que permitam exercer a profissão com dignidade e autonomia…” Ao longo do nosso desempenho, do nosso dia-a-dia, a palavra autonomia é referenciada, assumida, apresentada, mas dificilmente definida, essencialmente pela interdisciplinaridade existente na equipa de saúde.

O que é então ser autónomo?

Segundo o dicionário, é “que se governa por si; independente, livre; que tem autonomia”, sendo autonomia definida como “a liberdade de se governar segundo as suas próprias leis”.

Considerando a Enfermagem como uma disciplina científica que é, temos que considerar os seus antecedentes educacionais, que passam pela competência baseada numa sólida base de conhecimentos, no entendimento

claro do escopo da prática clínica de Enfermagem e pela educação de nível superior desta profissão (Wade; 1999), e também por um conjunto de atributos que, segundo Keenan (1999), se definem como sendo independência, capacidade de tomar decisões, capacidade de julgamento, conhecimento e auto-determinação, e que têm como consequências imediatas a responsabilidade, em que o enfermeiro responde pelos seus actos, um estatuto mais elevado, uma maior satisfação com o trabalho e um empowerment profissional.

Podemos portanto afirmar que a autonomia profissional do Enfermeiro se exerce na prática clínica, atravésdas intervenções autónomas de Enfermagem. Segundo o n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 161/96de 04 de Setembro, consideram-se como intervençõesautónomas as acções realizadas pelos enfermeiros, sobsua única e exclusiva iniciativa e responsabilidade, deacordo com as respectivas qualificações profissionais,seja na prestação de cuidados, na gestão, no ensino,na formação ou na assessoria, com os contributos dainvestigação em enfermagem; ainda segundo o mesmoDecreto, mas no n.º 4 do artigo 4º, os Cuidados de Enfermagem são intervenções autónomas ou interdependentes a realizar pelo enfermeiro no âmbito das suas qualificações profissionais.

O desempenho do enfermeiro inicia-se por um diagnóstico de enfermagem, que se pode considerar segundo Carvalho (1996), como sendo o resultado de um raciocínio clínico de Enfermagem, sob a forma de uma proposição pró-activa que descreve um problema de Enfermagem, indica os déficits de resposta humana que constituem os seus agentes etiológicos determinantes e explicita os sinais e sintomas desse problema; esse diagnóstico determina qual o enfoque de actuação, ou seja, qual o problema onde se deve intervir, qual o problema de saúde do indivíduo, família ou comunidade, cuja etiologia reside em respostas humanas desadequadas e que, em função das competências legais, técnicas, científicas e humanas do profissional de enfermagem, pode por ele ser diagnosticado e tratado através da prestação de cuidados de enfermagem.

Pode-se portanto, e a título conclusivo, afirmar que as intervenções autónomas de Enfermagem clínica são constituídas por um conjunto de acções desencadeadas a partir de um diagnóstico de enfermagem com vista a obter um resultado de enfermagem e que se caracterizam por ser independentes, baseadas em decisões profissionais do enfermeiro, fundamentadas em conhecimentos de enfermagem, e totalmente geridas pelo enfermeiro.

As intervenções autónomas de enfermagem legalmente agrupam-se em fazer por substituir, ajudar a completar, orientar e supervisar, encaminhar e avaliar, e podem-se agrupar essencialmente em executar, cuidar, gerir e informar.

Os enfermeiros portugueses têm boas condições para, segundo Snyder (1996), vencer o desafio que consiste em aceitar uma definição para intervenções autónomas em enfermagem, identificar e definir as que são utilizadas pelos enfermeiros, aplicar designações que estejam ao mesmo nível de discurso, e continuar a testar estas intervenções para determinar a sua eficácia na prevenção ou resolução de problemas com o utente, a família e a comunidade onde se encontra inserido.

CARVALHO, A.C.C. (1996) – Como chegar lá? Embrião de um modelo de Enfermagem co-activo. Enfermagem emFoco, 23, Maio/Julho, 36-42

ICNP (1999) – ICNP Update. http:/icn.ch/icnpupdate.htm;

KEENAN, J. (1999) – A concept analysis of autonomy. Journal of Advanced Nursing, 29, 556-562;

Ordem dos Enfermeiros – Estatuto da Ordem dos Enfermeiros

SNYDER, M. (1992) – Independent Nursing Intervenctions. 2nd ed., Albany, Delmar;

SNYDER, M. (1996) – Defining Nursing Intervenctions. Image– the journal of Nursing Scholarship, 28, 137-141;

WADE, G.H. (1999) – Professional Nurse Autonomy: concept analysis and application to nursing education. Journal of Advanced Nursing, 30, 310-318;

Decreto-Lei n.º 161/96 de 04 de Setembro, n.º 4 do artigo 4º

Decreto-Lei n.º 161/96 de 04 de Setembro, n.º 4 e alíneas do artigo 5º

Decreto-Lei n.º 161/96 de 04 de Setembro, n.º 2 do artigo 9º