Com a Lei de Bases da Saúde, aprovada em 1990, foi instituída uma nova política de recursos humanos para a saúde com vista a satisfazer, à luz da conjuntura, as necessidades da população, com garantia da formação dos profissionais e segurança dos cuidados, procurando uma adequada cobertura em todo o território nacional.

No seguimento do disposto na Base XII daquela Lei, foi aprovado um novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), revisão em 1993 do estatuto inicial de 1979, no sentido de criar unidades integradas de cuidados de saúde e flexibilizar a gestão dos recursos.

Dada a relevância social do direito à protecção da saúde, adoptaram-se mecanismos especiais de mobilidade e de contratação de pessoal, pretendendo compensar as desigualdades de acesso e de cobertura geodemográfica cumprindo a obrigação constitucional de universalidade do acesso à prestação de cuidados de saúde.

Do mesmo modo que se investiu em novas instalações, novas tecnologias médicas e de informação, implementaram-se também métodos de organização e gestão, de entre os quais a definição de carreiras constituiu um factor agregador das competências e garantias do Serviço Nacional de Saúde.

Com as alterações de gestão e organização que prefiguraram uma aposta na qualidade e na criação de novas estruturas, a consagração legal da carreira de enfermagem conforme o Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro, ora revogado, desenvolveu e valorizou a prestação de enfermagem no SNS, como um todo coeso e coerente, com especificidades próprias e projecto sustentável.

Na presente legislatura, encetou-se a reforma da Administração Pública, estabelecendo a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, prevendo, em particular, a revisão dos regimes dos corpos ou carreiras especiais.1

Neste contexto, a natureza da prestação de cuidados de enfermagem, pela sua especificidade, conteúdo funcional e independência técnica, não permite a sua absorção em carreira geral e impõe a criação de uma carreira especial.2

Deste modo, nos termos do artigo 41.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o presente decreto-lei revoga o Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro, 3 e define o regime legal da carreira de enfermagem, enquanto carreira especial da Administração Pública.4

Esta carreira especial, implementando um modelo de referência em todo o SNS, independentemente da natureza jurídica dos estabelecimentos e serviços, pretende reflectir um modelo de organização de recursos humanos essencial à qualidade da prestação e à segurança dos procedimentos.5

Efectivamente, no âmbito do Plano integrado de medidas estruturantes para o desenvolvimento dos recursos humanos da saúde, aprovado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 140/98, de 4 de Dezembro, constituiu um marco relevante para a dignidade e valorização da profissão de enfermeiro, a reorganização, que tem vindo a ser feita na última década, da rede de escolas e do modelo de formação geral dos enfermeiros através de cursos de licenciatura, bem como da formação especializada através de cursos de especialização de pós-licenciatura.

Este processo instituído pelo Decreto-Lei n.º 353/99, de 3 de Setembro, possibilitou ainda aos que frequentavam o curso de bacharelato, bem como aos bacharéis em enfermagem, o acesso ao grau de licenciatura mediante determinadas condições.

Este decreto-lei vem agora instituir uma carreira especial de enfermagem na Administração Pública, integrando as actuais cinco categorias em duas, remetendo para deveres funcionais comuns de todos os trabalhadores em funções públicas e conteúdo funcional baseado na prestação de cuidados de saúde.6

Estabelecem-se duas categorias, enfermeiro e enfermeiro principal, as quais reflectem uma diferenciação de conteúdos funcionais.7

Fixam-se as regras de transição para as novas categorias.8

Foram observados os procedimentos decorrentes da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio.

Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.

Assim:

Nos termos do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Capítulo I

Objecto e âmbito

Artigo 1.º

Objecto

O presente decreto-lei define o regime legal da carreira de enfermagem, como carreira especial prevista nos artigos 41.º e 101º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

Artigo 2.º

Âmbito

1 - O presente decreto-lei aplica-se aos enfermeiros integrados na carreira de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas.9

2 - O presente decreto-lei aplica-se nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo das competências dos órgãos de governo próprios.

Artigo 3.º

Regime de carreira no Serviço Nacional de Saúde

1 – A estrutura de carreira disposta no presente decreto-lei constitui a estrutura de referência a aplicar aos enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde.

2 – A aplicação da estrutura de carreira referida no número anterior aos enfermeiros com contrato individual de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, a celebrar com as entidades públicas empresariais, opera-se nos termos dos diplomas legais que definem o regime jurídico dos trabalhadores dessas entidades, sem prejuízo da manutenção do mesmo regime laboral e nos termos em que for outorgado o respectivo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

3 – A aplicação da estrutura de carreira referida no n.º 1 aos enfermeiros em regime de cedência de interesse público ou contrato individual de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, a celebrar com as entidades gestoras de parcerias em saúde, opera-se nos termos do correspondente contrato de gestão para a parceria.

4 – Os enfermeiros com contrato individual de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, vigente à entrada em vigor do presente decreto-lei, celebrado com as entidades públicas empresariais da saúde ou com as entidades gestoras de parcerias em saúde, podem requerer, ao presidente do órgão de administração do estabelecimento onde prestam funções, por escrito, a todo o tempo, a integração na estrutura de carreira disposta no presente decreto-lei, com produção automática de efeitos.

Capítulo II

Estrutura da carreira

Artigo 4.º

Categorias

A carreira especial de enfermagem é pluricategorial e estrutura-se nas seguintes categorias:

    1. Enfermeiro;
    2. Enfermeiro Principal.

Artigo 5.º

Deveres funcionais

  1. Exercer a sua profissão com respeito pelo direito à protecção da saúde dos utentes e da comunidade, com primazia do interesse do utente;
  2. Informar devidamente o utente sobre os cuidados a prestar e prestados, na medida das suas competências, assegurando a efectividade do consentimento informado;
  3. Exercer as suas funções com zelo e diligência, assegurando na medida em que lhe seja exigido, a necessária actuação interdisciplinar, tendo em vista a continuidade e garantia da qualidade da prestação de cuidados;
  4. Cumprir o dever de sigilo profissional e todos os deveres éticos e princípios deontológicos a que está obrigado;
  5. Actualizar e aperfeiçoar conhecimentos e competências na perspectiva de desenvolvimento profissional e de aperfeiçoamento do seu desempenho;
  6. Colaborar com todos os intervenientes no trabalho de prestação de serviços de saúde, favorecendo o desenvolvimento de relações de cooperação, respeito e reconhecimento mútuo.

Artigo 6.º

Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro

1 – O conteúdo funcional da categoria de enfermeiro compreende autonomia técnico-científica inerente às respectivas competências ou especialidades de enfermagem, enquadradas em equipa, nomeadamente:

  1. Prestar cuidados de enfermagem aos doentes, utentes ou grupos populacionais sob a sua responsabilidade ou sob a responsabilidade da equipa na qual estejam integrados;
  2. Recolher, registar e efectuar tratamento e análise de informação relativa ao exercício das suas funções, incluindo aquela que seja relevante para os sistemas de informação institucionais e nacionais na área da saúde;
  3. Promover e participar em programas e projectos de investigação em enfermagem, nacionais ou internacionais, na sua área de especialização;
  4. Colaborar no processo de desenvolvimento de competências de alunos da licenciatura em enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional;
  5. Participar em júris de concursos ou noutras actividades de avaliação dentro da sua área de competência.
  6. Identificar, planear e avaliar os cuidados de enfermagem e efectuar os respectivos registos, bem como participar nas actividades de planeamento e programação do trabalho de equipa a executar pela unidade ou serviço;
  7. Participar nas acções que visem articular entre os diferentes níveis de cuidados de saúde;
  8. Realizar intervenções no apoio ao funcionamento da unidade ou serviço;
  9. Colaborar na formação realizada nas unidades de cuidados.

2 – O desenvolvimento do conteúdo funcional previsto nas alíneas j) a o) do número anterior é, apenas, executado pelos enfermeiros detentores do título de especialista.

Artigo 7.º

Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro principal

Para além das funções inerentes à categoria de enfermeiro, o conteúdo funcional da categoria de enfermeiro principal compreende, nomeadamente:

Artigo 8º

Grau de Complexidade Funcional

A carreira especial de enfermagem é classificada como de grau 3 de complexidade funcional.

Artigo 9.º

Condições de admissão10

  1. O exercício de funções no âmbito da carreira especial de enfermagem depende da obtenção do título profissional atribuído pela Ordem dos Enfermeiros.
  2. Para admissão à categoria de enfermeiro principal é exigido cumulativamente:

Recrutamento

1 - O recrutamento para os postos de trabalho, correspondentes à carreira de enfermagem, incluindo mudança de categoria, é feito mediante procedimento concursal.

2 - Os trâmites e os requisitos de candidatura ao concurso previsto no número anterior, são aprovados por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Administração Pública e da saúde.

3 – O recrutamento para os postos de trabalho sujeitos ao regime do Código do Trabalho é feito mediante processo de selecção com observância do disposto no artigo 9.º do presente decreto-lei.

4 - Quando, na sequência de procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho na categoria de enfermeiro, se torne necessário determinar o posicionamento remuneratório do candidato nos termos do artigo 55.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, a entidade empregadora pública não pode propor a primeira posição remuneratória quando o candidato seja titular de licenciatura ou de grau académico superior a ela.

Artigo 11.º

Remunerações11

1 - As remunerações-base são fixadas com base no regime previsto nos artigos seguintes e constam do Anexo I, o qual faz parte integrante do presente decreto-lei.

2 - O disposto no número anterior não se aplica aos casos abrangidos pelos números 2 e 3 artigo 3º, para os quais são estabelecidas remunerações mínimas em sede de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

Artigo 12.º

Posições remuneratórias

  1. A cada categoria da carreira especial de enfermagem corresponde um número variável de posições remuneratórias, constantes do Anexo I ao presente decreto-lei que dele faz parte integrante.
  2. A determinação da posição remuneratória na categoria de recrutamento é objecto de negociação, nos termos previstos no artigo 55º da Lei 12-A/2008, de 27 de Dezembro.
  3. A alteração da posição remuneratória na categoria faz-se nos termos dos artigos 46.º a 48º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, tendo em conta o sistema de avaliação do desempenho dos enfermeiros.

Artigo 13.º

Duração e organização do tempo de trabalho

  1. O período normal de trabalho dos enfermeiros é de 35 horas semanais.
  2. A organização do trabalho dos enfermeiros é realizada por turnos.
  3. Em tudo o que não se encontre expressamente disposto no presente decreto-lei, a duração do tempo de trabalho aplicável à carreira especial de enfermagem é a constante do regime do contrato de trabalho em funções públicas, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro.

Artigo 14.º

Funções de coordenação, direcção e chefia

  1. Os trabalhadores integrados na carreira de enfermagem podem exercer funções de coordenação, direcção, chefia, ou de departamentos, serviços ou unidades funcionais do Serviço Nacional de Saúde, desde que sejam titulares das categorias de enfermeiro principal.
  2. Sem prejuízo do disposto em lei especial, e de acordo com a organização interna e conveniência de serviço, o exercício de funções de direcção, chefia, ou coordenação de departamentos, serviços ou unidades funcionais do Serviço Nacional de Saúde é cumprido em comissão de serviço por três anos, renovável por iguais períodos, sendo a respectiva remuneração fixada em diploma próprio.
  3. O exercício das funções referidas nos números anteriores não impede a manutenção da actividade de prestação de cuidados de saúde por parte dos enfermeiros, mas prevalece sobre a mesma.

Artigo 15.º

Período experimental

O período experimental para os contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, celebrados por enfermeiros, tem a duração de 240 dias.

Artigo 16º

Formação Profissional12

1 - A formação dos trabalhadores integrados na carreira de enfermagem assume carácter de continuidade e prossegue objectivos de actualização técnica e científica ou de desenvolvimento de projectos de investigação.

2 - A formação prevista no número anterior deve ser planeada e programada, de modo a incluir informação interdisciplinar e desenvolver competências de organização e gestão de serviços.

3 - A frequência de cursos de formação complementar ou de actualização profissional, com vista ao aperfeiçoamento, diferenciação técnica ou projectos de investigação, pode ser autorizada mediante licença sem perda de remuneração por um período não superior a 10 dias úteis, por ano, ou, nos termos que vierem a ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

4 – O membro do Governo responsável pela área da saúde pode atribuir a licença prevista nos termos do número anterior por um período superior a 10 dias úteis, desde que a proposta se encontre devidamente fundamentada e a formação se revista de interesse para os serviços.

Artigo 17º

Avaliação do desempenho

1 - A avaliação do desempenho relativa aos trabalhadores que integrem a carreira especial de enfermagem rege-se pelo regime da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de Dezembro, com as adaptações que, nos termos no n.º 6 do artigo 3.º da mesma Lei, forem introduzidas por Instrumento de Regulamentação Colectiva do Trabalho.

2 - Na ausência de Instrumento de Regulamentação Colectiva do Trabalho, as adaptações previstas no número anterior, são efectuadas por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da saúde,

Artigo 18.º

Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho

As normas do regime legal da carreira especial de enfermagem podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, nos termos da lei.

Capítulo III

Normas de transição

Artigo 19.º

Transição para a nova carreira13

1 - A carreira de enfermagem criada nos termos do Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro é extinta, com as excepções previstas no artigo 20º.

2 – Os trabalhadores integrados na carreira prevista no número anterior transitam para a carreira especial de enfermagem nos termos dos números seguintes.

3 - Transitam para a categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem os trabalhadores que sejam titulares da categoria de enfermeiro, de enfermeiro graduado e de enfermeiro especialista.

4 - Transitam para a categoria de enfermeiro principal os trabalhadores que sejam titulares das categorias de enfermeiro chefe e de enfermeiro supervisor e se encontrem nas condições a que se refere o nº 2 do artigo 20º.

Artigo 20.º

  1. Subsistem, nos termos do artigo 106º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, as categorias de enfermeiro-chefe e de enfermeiro supervisor da carreira de enfermeiro, previstas no Decreto-Lei nº 437/91, de 8 de Novembro.
  2. Os trabalhadores titulares das categorias subsistentes, a que se refere o número anterior, são reposicionados na categoria de enfermeiro principal quando o montante pecuniário correspondente à remuneração base a que tenham direito não for inferior ao montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da primeira posição da categoria de enfermeiro principal.
  3. Nos termos do nº 5 do artigo 106º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, os órgãos ou serviços não podem recrutar ou recorrer a mobilidade geral de trabalhadores não integrados nas categorias subsistentes referidas no nº 1.

Artigo 21º

Reposicionamento remuneratório

Na transição para a carreira especial de enfermagem os trabalhadores são reposicionados nos termos do artigo 104º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

Artigo 22.º

Mapas de pessoal

Os mapas de pessoal consideram-se automaticamente alterados, passando as categorias e remunerações a ser as constantes do presente decreto-lei.

Artigo 23.º

Disposição final

No prazo de 30 dias, a contar da data de publicação do presente decreto-lei são desencadeados os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho previstos no artigo18.º.

Artigo 24.º

Revogação

É revogado o Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de

O Primeiro-Ministro

O Ministro de Estado e das Finanças

A Ministra da Saúde

O Ministro da Ciência da Tecnologia e do Ensino Superior


ANEXO I

Enfermagem Posições remuneratórias
10ª 11ª
Enfermeiro principal
Níveis remuneratórios da tabela única 44 48 52 55 57
Montante pecuniário (euros) € 2694,75 € 2.900,72 €3.106,68 € 3.261,16 € 3.364,14
Enfermeiro
Níveis remuneratórios da tabela única 11 15 19 23 27 30 33 36 39 42 44
Montante pecuniário (euros) € 995,51 €1.201,48 €1.407,45 €1.613,42 €1.819,38 €1.973,86 €2.128,34 €2.282,81 €2.437,29 €2.591,76 € 2.694,75