Boa tarde,
Em parte uma duvida colocada por um colega ao conselho jurisdicional responde a estas questões.... Cito-o aqui mas pode ser consultado na integra no link:
http://www.ordemenfermeiros.pt/index.php?page=164&version=1"1. A questão colocada:
Pedido de esclarecimento relativo a:
“Efectuar a passagem de turno junto ao doente, estando este em enfermarias, coloca em causa os direitos dos utentes e/ou os deveres do profissional de enfermagem?”
2. Fundamentação
Da questão colocada decorrem alguns conceitos sobre os quais importa reflectir, já que deles depende o parecer deste Conselho.
2.1. Sobre a passagem de turno e a continuidade dos cuidados.
A passagem de turno apresenta-se como um momento de reunião da equipa de enfermeiros, tendo como objectivo assegurar a continuidade de cuidados, pela transmissão verbal de informação, e como finalidade promover a melhoria contínua da qualidade dos cuidados, enquanto momento de análise das práticas e de formação em serviço / em situação.
A passagem de informação é realizada de forma oral, complementando a informação escrita - e não substitui o registo de enfermagem, realizado em notas de evolução / continuidade e/ou avaliação do planeamento de cuidados.
A continuidade dos cuidados constitui matéria de referência no Código Deontológico, sendo de salientar:
a) a relação entre a continuidade dos cuidados e os registos, na área do direito ao cuidado, tal como consta no art.º 83 dos Estatutos da Ordem: «O enfermeiro, no respeito do direito ao cuidado na saúde ou doença, assume o dever de: ... d) Assegurar a continuidade dos cuidados, registando fielmente as observações e intervenções realizadas; e) Manter-se no seu posto de trabalho enquanto não for substituído, quando a sua ausência interferir na continuidade de cuidados.»
b) os deveres relativos à excelência do exercício, tal como consta no art.º 88 dos Estatutos da Ordem: «O enfermeiro procura, em todo o acto profissional, a excelência do exercício, assumindo o dever de: ... e) Garantir a qualidade e assegurar a continuidade dos cuidados das actividades que delegar, assumindo a responsabilidade pelos mesmos».
Os locais de passagem de informação são geridos, em cada contexto de trabalho e atendendo às suas características, da forma considerada mais adequada para responder às finalidades - e tanto podem ser utilizados espaços de trabalho específicos ou exclusivos dos enfermeiros como espaço da unidade de cada utente, ou outras, não sendo estas opções mutuamente exclusivas.
Ponderando vantagens e inconvenientes de cada opção (passagem de turno em presença do utente em enfermarias ou em gabinete / sala de enfermagem) pelo aporte que cada uma delas pode trazer à finalidade da passagem de turno, pode equacionar-se inclusivamente, no contexto de trabalho, uma utilização dos dois tipos de espaços, em sequência. Em situação de passagem de turno junto do utente e em espaço de enfermaria, terão de ser acautelados alguns aspectos, já que os conteúdos da informação tenderão a ser diferentes dos que poderão ser transmitidos posteriormente / anteriormente em gabinete / sala de enfermagem.
2.2 Sobre o direito à privacidade e o dever de sigilo.
Referir a área específica da passagem de informação reporta para o direito relativo à confidencialidade e privacidade, protecção da intimidade / reserva da vida privada.
E atende-se a que os deveres dos profissionais decorrem da protecção dos direitos dos utentes - assim, é da salvaguarda do direito à privacidade (ou seja, garantir a limitação do acesso às informações de uma dada pessoa, ao acesso à própria pessoa, à sua intimidade, preservar o seu anonimato) e confidencialidade (enquanto garantia do resguardo das informações dadas em confiança e a protecção contra a sua revelação não autorizada) que decorre o dever do sigilo profissional.
E, se toda a informação colhida pelos profissionais deve ser considerada confidencial, porque realizada mercê dessa qualidade de profissional, há que revelar ainda que tal informação só deve ser partilhada em determinadas situações, conforme se afirma na alínea b) do art.º 85 dos Estatutos da Ordem («partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão implicados no plano terapêutico, usando como critérios orientadores o bem-estar, a segurança física, emocional e social do indivíduo e família, assim como os seus direitos»). Saliente-se que a expressão “implicados no plano terapêutico” é clara relativamente à informação partilhada que, além disso, se define como devendo ser a que é pertinente.
O respeito pelo direito à privacidade implica o dever dos profissionais de saúde de praticar qualquer acto no respeito pela intimidade da pessoa (estando, em princípio, apenas presentes as pessoas necessárias para a prática do acto) e é de reforçar a ideia de que, quando o interessado não pode decidir, deve ser sempre considerado o seu melhor interesse, ou seja, bem-estar, segurança física, emocional e social e os seus direitos.
2.3. Sobre o privilégio terapêutico.
Está definido o conceito de privilégio terapêutico, de forma jurídica, enquanto possibilidade de “omitir informação se entender que a mesma se revela prejudicial ao seu estado de saúde ou restabelecimento" (art.º 157 do Código Penal).
Não constituindo regra geral, a possibilidade de “privilégio terapêutico” decorre de o profissional de saúde constatar que determinadas informações podem ser manifestamente prejudiciais para o doente - e, assim, este omite parte ou a totalidade da informação, de acordo com o princípio da beneficência. Se bem que a sua utilização se reserve a casos excepcionais (e distingue-se do desconforto psicológico associado a informação de doença grave com prognóstico reservado), tem de ser preservada a possibilidade da sua utilização e é também com esta preocupação que se deve seleccionar a informação a veicular.
3. Conclusão
3.1. A passagem de turno pode ser realizada num ou em vários espaços, de acordo com as características de cada contexto de trabalho, sendo que a informação veiculada em presença do doente em enfermaria poderá ser complementada em espaço de trabalho específico dos enfermeiros (com abrangência para responder aos restantes objectivos da
passagem de turno).
3.2. No decorrer do exercício profissional têm de ser:
- salvaguardados os direitos dos utentes, nomeadamente o que respeita à privacidade e confidencialidade;
- garantida a possibilidade de utilização do “privilégio terapêutico”.
3.3. O que poderá estar em causa, não será o local, propriamente dito, mas o conteúdo das informações transmitidas, diante de terceiros."
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